Um contrato de compra e venda de imóvel quase impossível de desistir

Um Contrato De Compra E Venda De Imovel Quase Impossivel De Desistir

É de praxe, atualmente, que nos contratos de compra e vendas de imóveis tenha uma cláusula específica, que pode causar muita dor de cabeça para os compradores/consumidores: é o pacto adjeto de alienação fiduciária.

 

Essa previsão contratual tem por objetivo fazer com que incidam as regras da Lei de n 9.514/97, que é uma lei que traz muitas vantagens para quem vende o imóvel.

 

Entre os benefícios dessa lei para o vendedor/credor, é a possibilidade da execução do imóvel de forma extrajudicial, isso significa que se o comprador ficar inadimplente, o credor irá notificá-lo e, não havendo pagamento do débito em 30 (trinta) dias, o imóvel irá a leilão.

 

No primeiro leilão, o valor do lance deve ser superior ao valor do próprio imóvel. Dificilmente alguém oferece um lance no primeiro.

 

Nesse segundo leilão, o imóvel poderá ser arrematado pelo maior lance oferecido, desde que seja igual ou superior ao valor da dívida (despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais).

 

É nesse momento que o imóvel costuma ser arrematado por 50% (cinquenta por cento) do valor de mercado ou até menos que isso. E se você deixar de pagar as parcelas do seu imóvel, é isso que acontecerá com ele.

 

Essa é apenas uma das prerrogativas que o vendedor terá contra o comprador, mas o objetivo do presente texto é te alertar sobre a dificuldade que existe em realizar a desistência desse tipo de contrato.

 

Após alguns meses ou anos de pagamento, alguns compradores, inadimplentes ou não, acabam por mudar de ideia em relação a continuar com o contrato, seja porque as contas apertaram ou porque aquele empreendimento não atendeu as suas expectativas.

 

E aí surge a intenção de rescindir o contrato, ou melhor, fazer a resilição unilateral, que é quando uma das partes (sem culpa de ninguém) pretende desistir no prosseguimento da relação contratual.

 

A intenção do comprador/consumidor é que o contrato seja cancelado e os valores que ele pagou sejam devolvidos, mesmo que haja a cobrança de alguma multa.

 

Mas o que acontece é que os contratos que têm o pacto adjeto de alienação fiduciária, geralmente, não permitem esse tipo de desfazimento do negócio.

 

Recentemente, uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que foi matéria no Consultor Jurídico, reafirmou essa impossibilidade de se fazer a resilição unilateral em contratos com pacto de alienação fiduciária.

 

Embora existam decisões em sentido contrário, a corrente majoritária se alinha a esta decisão do STJ.

 

É necessário que haja algum problema no contrato, a fim de possibilitar a rescisão ou não será possível desistir dele.

 

A desistência pode até ser pedida, mas o procedimento para devolução de valores deverá observar o art. 26 e 27, da Lei de nº 9.514/97, que é aquele procedimento de leilão que eu expliquei anteriormente. Não haverá restituição do que foi pago.

 

As empresas do ramo imobiliário, quando o contrato é feito dessa forma, são categóricas em afirmar que não haverá restituição de nenhum valor ao comprador, caso ele opte por desistir do contrato.

 

Embora a lei seja um tanto quanto prejudicial ao comprador, existem meios jurídicos de se obter a rescisão ou resilição unilateral, desde que adotados alguns procedimentos ou de acordo com determinadas situações concretas.

 

Vamos a algumas das formas pelas quais você poderá obter o cancelamento do contrato e restituição dos valores.

 

1 – Contrato com pacto adjeto de alienação fiduciária SEM registro

 

Para que sejam aplicadas as regras previstas na Lei de nº 9.514/97, é imprescindível que haja o registro deste pacto perante o Cartório de Registro de Imóveis, como determina o art. 23, caput, da citada lei.

 

A Justiça considera que, sendo ausente esse registro, havendo a previsão do pacto da alienação fiduciária apenas no contrato particular realizado entre as partes, não será possível aplicar as regras específicas da Lei 9.514, veja:

 

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. RESCISÃO CONTRATUAL E DEVOLUÇÃO DE QUANTIAS PAGAS. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. PACTO ADJETO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. VALIDADE CONDICIONADA À AVERBAÇÃO DO CONTRATO NO REGISTRO DE IMÓVEIS. AUSÊNCIA. APLICAÇÃO DAS REGRAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. SÚMULA 543 DO STJ. RESTITUIÇÃO PARCIAL DA QUANTIA PAGA. MAJORAÇÃO DO PERCENTUAL DE RETENÇÃO. DESCONTO DOS VALORES DISPENDIDOS COM PAGAMENTO DE IPTU E TAXAS ASSOCIATIVAS. INOVAÇÃO RECURSAL.

 

I. Consoante os moldes estatuídos no artigo 23 da Lei nº 9.514/97, o registro do contrato é imprescindível à constituição da propriedade fiduciária.

 

II. A ausência do registro do contrato, em hipóteses tais, autoriza a rescisão unilateral do contrato por desistência do promitente comprador, com incidência das regras do Código de Defesa do Consumidor.

 

III. Na hipótese de rescisão contratual por culpa exclusiva do comprador, permite-se a retenção, pela vendedora, do percentual de 10% (dez por cento) a 25% (vinte e cinco por cento) dos valores pagos. Precedentes do STJ e do TJGO. IV. Face às particularidades do caso, quais sejam, a quantia já paga pelo Autor/Apelado, bem como o período em que o imóvel ficou indisponível para venda, avoco necessária a majoração do percentual de retenção para o patamar de 20% (vinte por cento).

 

V. Por plasmar tese jurídica esgrimida pelas Apelantes apenas após a prolação da sentença, nega-se conhecimento ao requerimento de desconto do valor do IPTU e taxas associativas. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA EM PARTE E, NESTA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDA.

 

(TJGO, Apelação (CPC) 0066618-68.2017.8.09.0174, Rel. Des(a). AMÉLIA MARTINS DE ARAÚJO, 1ª Câmara Cível, julgado em 24/09/2020, DJe  de 24/09/2020).

 

Nessa situação, não será aplicada a previsão do leilão e nem haverá dificuldade em se pedir a resilição unilateral.

 

O comprador/consumidor terá o contrato cancelado e os valores serão restituídos, conforme as explicações que você pode encontrar nesses outros artigos:

 

 

2 – Alguma culpa do vendedor

 

Evidentemente, havendo alguma culpa do próprio vendedor, como o atraso na entrega do imóvel, venda de lote em área que esteja embargada, cobrança de juros através de sistemas ilegais ou outra falta que possa ser imputada a ele, gerará o direito de o comprador pedir a rescisão do contrato.

 

Nesse caso, deverá haver a devolução dos valores e até a aplicação de multa contra o vendedor.

 

3 – Ausência de Quadro-Resumo completo

 

A Lei de nº 13.786/2018, conhecida popularmente como lei do distrato, trouxe algumas mudanças nas relações jurídicas do mercado imobiliário, a maioria delas foram péssimas para os compradores/consumidores.

 

Uma das poucas coisas boas foi a exigência de um quadro-resumo muito claro e completo, devendo ter as seguintes informações em caso de incorporação imobiliária:

Art. 35-A. Os contratos de compra e venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de unidades autônomas integrantes de incorporação imobiliária serão iniciados por quadro-resumo, que deverá conter:

 

I – o preço total a ser pago pelo imóvel;

 

II – o valor da parcela do preço a ser tratada como entrada, a sua forma de pagamento, com destaque para o valor pago à vista, e os seus percentuais sobre o valor total do contrato;

 

III – o valor referente à corretagem, suas condições de pagamento e a identificação precisa de seu beneficiário;

 

IV – a forma de pagamento do preço, com indicação clara dos valores e vencimentos das parcelas;

 

V – os índices de correção monetária aplicáveis ao contrato e, quando houver pluralidade de índices, o período de aplicação de cada um;

 

VI – as consequências do desfazimento do contrato, seja por meio de distrato, seja por meio de resolução contratual motivada por inadimplemento de obrigação do adquirente ou do incorporador, com destaque negritado para as penalidades aplicáveis e para os prazos para devolução de valores ao adquirente;

 

VII – as taxas de juros eventualmente aplicadas, se mensais ou anuais, se nominais ou efetivas, o seu período de incidência e o sistema de amortização;

 

VIII – as informações acerca da possibilidade do exercício, por parte do adquirente do imóvel, do direito de arrependimento previsto no art. 49 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor) , em todos os contratos firmados em estandes de vendas e fora da sede do incorporador ou do estabelecimento comercial;

 

IX – o prazo para quitação das obrigações pelo adquirente após a obtenção do auto de conclusão da obra pelo incorporador;

 

X – as informações acerca dos ônus que recaiam sobre o imóvel, em especial quando o vinculem como garantia real do financiamento destinado à construção do investimento;

 

XI – o número do registro do memorial de incorporação, a matrícula do imóvel e a identificação do cartório de registro de imóveis competente;

 

XII – o termo final para obtenção do auto de conclusão da obra (habite-se) e os efeitos contratuais da intempestividade prevista no art. 43-A desta Lei.

 

E, em se tratando de contrato de comercialização de loteamento, os seguintes requisitos:

 

Art. 26-A. Os contratos de compra e venda, cessão ou promessa de cessão de loteamento devem ser iniciados por quadro-resumo, que deverá conter, além das indicações constantes do art. 26 desta Lei:

 

I – o preço total a ser pago pelo imóvel;

 

II – o valor referente à corretagem, suas condições de pagamento e a identificação precisa de seu beneficiário;

 

III – a forma de pagamento do preço, com indicação clara dos valores e vencimentos das parcelas;

 

IV – os índices de correção monetária aplicáveis ao contrato e, quando houver pluralidade de índices, o período de aplicação de cada um;

 

V – as consequências do desfazimento do contrato, seja mediante distrato, seja por meio de resolução contratual motivada por inadimplemento de obrigação do adquirente ou do loteador, com destaque negritado para as penalidades aplicáveis e para os prazos para devolução de valores ao adquirente;

 

VI – as taxas de juros eventualmente aplicadas, se mensais ou anuais, se nominais ou efetivas, o seu período de incidência e o sistema de amortização;

 

VII – as informações acerca da possibilidade do exercício, por parte do adquirente do imóvel, do direito de arrependimento previsto no art. 49 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor) , em todos os contratos firmados em estandes de vendas e fora da sede do loteador ou do estabelecimento comercial;

 

VIII – o prazo para quitação das obrigações pelo adquirente após a obtenção do termo de vistoria de obras;

 

IX – informações acerca dos ônus que recaiam sobre o imóvel;

 

X – o número do registro do loteamento ou do desmembramento, a matrícula do imóvel e a identificação do cartório de registro de imóveis competente;

 

XI – o termo final para a execução do projeto referido no § 1º do art. 12 desta Lei e a data do protocolo do pedido de emissão do termo de vistoria de obras.

 

Há pouca diferença entre o quadro-resumo de uma incorporação imobiliária ou na comercialização de imóveis, mas o efeito de não haver quaisquer destas informações é o mesmo: possibilidade de rescisão do contrato, com a devolução dos valores pagos e aplicação de multa contra a vendedora.

 

Nesse outro texto explico sobre essa estratégia para se obter o cancelamento do contrato e devolução dos valores: Como conseguir rescindir o contrato de compra e venda de um lote sem pagar multa.

 

4 – Previsão contratual de possibilidade de resilição unilateral

 

Embora alguns contratos sejam feitos com o pacto adjeto de alienação fiduciária, onde seria quase impossível pedir a resilição unilateral, alguns contratos ou quadro-resumos ainda preveem a possibilidade de se fazer a resilição, com a devolução dos valores após a aplicação de multa.

 

Nesse caso, mesmo que haja a alienação fiduciária, é certo que a previsão contratual de resilição unilateral deverá prevalecer em benefício do consumidor.

 

Seria contraditório que o contrato permitisse a resilição unilateral e, ao mesmo tempo, esse direito fosse impedido pela existência da alienação fiduciária.

 

Esse conflito de regras deve ser resolvido em benefício do consumidor, visto que a informação que foi prestada, no ato da celebração do contrato, não ficou clara, algo que viola o princípio da informação adequada, previsto no art. 6º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor.

 

Não sabe o que fazer?

 

Caso você esteja passado por esse problema, busque auxílio profissional para te orientar da melhor maneira.

 

É importante, antes de adquirir um imóvel, que você preste muita atenção nas informações que estão no quadro-resumo e no contrato. É nesse momento que muitos problemas futuros podem ser evitados, inclusive esse que foi descrito nesse texto.

 

Nós podemos ajudar se você estiver precisando de Advogados especializados em ações que envolvam imóveis, direito imobiliário, contrato, rescisão, resilição, devolução, valores, quantias, pagas, multa, construtora, imobiliária, incorporadora, nas cidades de Goiânia, Grande Goiânia, Catalão, Piracanjuba, Morrinhos, Jaraguá, Itapuranga, Petrolina de Goiás, Goiás, e em Brasília, Distrito Federal, Mato Grosso, Centro-Oeste.

 

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Rafael Rocha Filho

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