TRAIÇÃO NO CASAMENTO PODE GERAR INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS?
Você sabia que no Brasil, o Adultério só deixou de ser considerado crime em 2005?
Veja o que dizia o código penal antes da mudança:
Art. 240 – Cometer adultério:
Pena – detenção, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses.
§1º – Incorre na mesma pena o co-réu.
§2º – A ação penal somente pode ser intentada pelo cônjuge ofendido, e dentro de 1 (um) mês após o conhecimento do fato.
§3º – A ação penal não pode ser intentada:
I – pelo cônjuge desquitado;
II – pelo cônjuge que consentiu no adultério ou o perdoou, expressa ou tacitamente.
§4º – O juiz pode deixar de aplicar a pena:
I – se havia cessado a vida em comum dos cônjuges;
II – se o querelante havia praticado qualquer dos atos previstos no art. 317, do Código Civil.
É claro que a pena aplicada (quinze dias a seis meses) dava margem a penas/medidas alternativas de liberdade. Mas o absurdo da questão tratava-se de aplicar o Direito Penal em uma questão absolutamente moral.
Hoje, a questão da fidelidade conjugal é apreciada no ramo cível, como deve ser visto que o Direito Penal não tem que se preocupar com questões morais.
Mas então, agora o adultério não é mais crime, mas o “traidor”, pode ser condenado a pagar uma indenização por danos morais?
Continue comigo nesse artigo, que vou discorrer sobre o assunto!
TRAIÇÃO E DANO MORAL
Acreditem, é possível sim que uma traição conjugal venha gerar dano moral, mas apenas em casos bem específicos. A depender da gravidade e dos efeitos que a traição gerou para o outro cônjuge ou companheiro traído, será possível a condenação por danos morais.
Um dos deveres do casamento é a fidelidade recíproca entre os cônjuges, prevista no art. 1.566 do Código Civil, que significa o dever do casal de exclusividade da relação afetiva e sexual. Veja:
Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:
I – fidelidade recíproca;
No que lhe diz respeito, para a união estável o art. 1.724 do CC previu o dever recíproco de lealdade entre os companheiros, que implica um comprometimento mais profundo, não apenas físico, mas também moral e espiritual entre os parceiros.
A fidelidade se conectada ao conceito de lealdade, de maneira que a fidelidade exigida normalmente também obriga à lealdade.
Desta forma, a prática de traição representa um descumprimento ao dever de fidelidade ao casamento e de lealdade à união estável, sendo que a violação a estes deveres é apta a ensejar, em certos casos, a reparação pecuniária por dano moral.
Ainda que em caráter de exceção, o dever de indenizar encontra amparo no artigo 927 do Código Civil, que afirma que quando alguém viola algum direito ou causa prejuízo a alguém, seja por meio de uma ação ou omissão, por negligência ou imprudência, fica obrigado a reparar o dano material ou moral que causou.
Para saber se a traição será capaz de gerar dano moral é necessário analisar as consequências na vida da pessoa traída e as circunstâncias do caso concreto.
Em outras palavras, se aquele que foi traído tiver, comprovadamente, sofrido abalos emocionais e psicológicos sérios – exemplo disso é quando a pessoa entra em depressão após saber do adultério, ou outro quadro psiquiátrico – nasce a possibilidade de pedir uma indenização pelo dano moral.
Além disso, outra hipótese de fixação de dano moral, é quando a traição ganha relevante repercussão social. É o caso de traições que ocorrem em cidades pequenas, onde a grande maioria das pessoas da cidade ficam sabendo do que aconteceu e a pessoa traída sofre grande constrangimento.
É possível também o pedido de dano moral quando a traição abala a vida profissional da pessoa traída, como por exemplo antes da traição a pessoa era uma ótima funcionária, mas depois que descobriu o adultério, os abalos emocionais foram tão fortes, que a pessoa perde o desempenho no trabalho, já não se concentra, vive abatida, tem crises de choro e, as vezes, é até afastada do trabalho, além de correr sério risco de ser demitida.
Mas atenção, conseguir dano moral por traição é tarefa complexa. Em todas essas hipóteses é preciso que se comprove os abalos sofridos. Assim, a pessoa traída precisará, principalmente, de testemunhas que possam relatar sobre a repercussão social da traição, sobre os abalos emocionais e psicológicos e abalos profissionais, além da necessidade de provas documentais dos danos sofridos.
A título de exemplo, se a pessoa adquiriu quadro psiquiátrico, pode o seu psicólogo ou psiquiatra ser testemunha no processo. Além disso, colegas de trabalho e supervisores podem assumir papel de testemunha.
Há casos extremos em que a pessoa traída que adquiriu depressão tenta cometer suicídio, fato que justifica ainda mais o pedido de dano moral, bastando comprovar através de relatório médicos e prontuários de atendimento hospitalar que a pessoa estava em um quadro de depressão por ter sido traída, a ponto de tentar o suicídio por causa disso.
Vale lembrar que os exemplos aqui trazidos não são os únicos casos em que é possível a condenação em danos morais, pois o que vai determinar se existe o direito de indenização ou não será a realidade de cada caso concreto.
Por fim, quanto ao valor da indenização, o juiz fixará um valor que seja suficiente para compensar o dano sofrido pela pessoa traída, sem enriquecê-la indevidamente. Além disso, o valor a ser fixado de dano moral também tem caráter repreensivo, para que aquele que traiu sofra a punição material pelo o seu ato ilícito e reflita antes de praticar novamente.
Não há dúvidas de que as famílias evoluíram e que a liberdade para se desenvolver relacionamentos extraconjugais torna-se cada vez mais presente em nossa sociedade.
Contudo, mesmo prevalecendo a regra da não incidência da responsabilidade civil por traição, não podemos descarta as hipóteses de configuração de dano moral em situações excepcionais.
Veja esse Julgado de Dano moral por infidelidade:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DIVÓRCIO C/C GUARDA DE MENOR E ALIMENTOS. PARTILHA VERBAS RESCISÓRIAS TRABALHISTAS E FGTS. IMPOSSIBILIDADE. DANO MORAL POR INFIDELIDADE CONJUGAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. 1- O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS por ser verba indenizatória personalíssima, de origem trabalhista, está excluído do rol de bens partilháveis, conforme entendimento desta Corte de Justiça, não sendo, portanto, considerado patrimônio comum do casal. 2- Embora a rescisão do contrato de trabalho do apelante tenha se dado na constância do casamento, as verbas trabalhistas são personalíssimas, motivo pelo qual não há que se falar em meação, nos termos do artigo 1.659, inciso VI, do Código Civil. 3- A infidelidade conjugal, por si só, embora constitua violação dos deveres do casamento, não gera o dever de indenização por danos morais. A reparação compensatória pela infidelidade conjugal, somente tem lugar em caso de ofensa à honra objetiva da vítima. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA.
(TJGO, APELACAO 0304910-98.2015.8.09.0113, Rel. JAIRO FERREIRA JUNIOR, 6ª Câmara Cível, julgado em 18/09/2019, DJe de 18/09/2019)
Dra. Ivenise Rocha