TJ-GO MANTÉM RESTITUIÇÃO DE 90% DOS VALORES PAGOS EM RECISÃO DE CONTRATO DE IMÓVEL SEM REGISTRO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

Tj Go Mantem Restituicao De 90 Dos Valores Pagos Em Rescisao De Contrato De Imovel Sem Registro De Alienacao Fiduciaria

A 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás, tendo como relator o Desembargador GERSON SANTANA CINTRA, confirmou sentença que havia determinado a restituição de 90% (noventa por cento) dos valores pagos por compradores de um lote, em um contrato que previa a alienação fiduciária, todavia, sem ter o seu devido registro.

 

Ao analisar o recurso da FGR INCORPORAÇÕES S/A, que pedia a rescisão contratual nos moldes da Lei de nº 9.514/97, o Tribunal decidiu que:

 

A priori, saliento que o pedido de rescisão contratual foi motivado no desinteresse dos compradores. Outrossim, em apreciação das razões recursais contidas no apelo, a vindicar a aplicabilidade da Lei federal nº 9.514/1997, em detrimento do Código de Defesa do Consumidor, conveniente transcrever o que disciplina o artigo 23 da referida lei, in verbis:

 

Art. 23. Constitui-se a propriedade fiduciária de coisa imóvel mediante registro, no competente Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve de título.

 

Parágrafo único. Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel.

 

Nos termos do dispositivo legal supra, o registro do contrato com alienação fiduciária perante o Cartório de Registro de Imóveis competente tem natureza constitutiva, sem o qual a propriedade fiduciária e a garantia decorrente não se perfazem.

 

Nesse sentido, eis o entendimento firmado pelo colendo Superior Tribunal de Justiça, litteris:

 

CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL C/C PEDIDO DE DEVOLUÇÃO DAS QUANTIAS PAGAS. CLÁUSULA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. AUSÊNCIA DE REGISTRO. GARANTIA NÃO CONSTITUÍDA. VENDA EXTRAJUDICIAL DO BEM. DESNECESSIDADE. 1. Ação de rescisão de compromisso de compra e venda de imóvel ajuizada em 28/06/2019, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 04/11/2020 e concluso ao gabinete em 09/02/2022. 2. O propósito recursal é definir se a rescisão de contrato de compra e venda de imóvel com pacto adjeto de alienação fiduciária enseja, quanto ao pleito de restituição de valores pagos, a necessidade de observância do procedimento previsto na Lei nº 9.514/97, ainda que ausente o registro do contrato. 3. No ordenamento jurídico brasileiro, coexiste um duplo regime jurídico da propriedade fiduciária: a) o regime jurídico geral do Código Civil, que disciplina a propriedade fiduciária sobre coisas móveis infungíveis, sendo o credor fiduciário qualquer pessoa natural ou jurídica; b) o regime jurídico especial, formado por um conjunto de normas extravagantes, dentre as quais a Lei 9.514/97, que trata da propriedade fiduciária sobre bens imóveis. 4. No regime especial da Lei 9.514/97, o registro do contrato tem natureza constitutiva, sem o qual a propriedade fiduciária e a garantia dela decorrente não se perfazem. 5. Na ausência de registro do contrato que serve de título à propriedade fiduciária no competente Registro de Imóveis, como determina o art. 23 da Lei 9.514/97, não é exigível do adquirente que se submeta ao procedimento de venda extrajudicial do bem para só então receber eventuais diferenças do vendedor. 6. Recurso especial conhecido e não provido, com majoração de honorários. (STJ, REsp nº 1.982.631/SP, Relª Ministra NANCY ANDRIGHI, 3ª Turma, DJe de 22/6/2022, g.)

 

No mesmo linear, confira-se os julgados deste egrégio Sodalício, ad litteram:

 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C RESTITUIÇÃO DE QUANTIAS PAGAS. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL COM CLÁUSULA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AUSÊNCIA DE REGISTRO EM CARTÓRIO. GARANTIA NÃO CONSTITUÍDA. APLICAÇÃO CDC. RESCISÃO POR INICIATIVA DO COMPRADOR. DIREITO A RETENÇÃO DA CLÁUSULA PENAL CONTRATUALMENTE PACTUADA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS MAJORADOS. SENTENÇA CONFIRMADA. I – O Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que o registro do contrato tem natureza constitutiva da propriedade fiduciária e, ausente tal formalidade, a alienação fiduciária não produzirá seus efeitos no mundo jurídico. Logo, não registrado no cartório competente o contrato que serve de título à propriedade fiduciária, não se aplicam as disposições previstas na citada lei às causas que discutem a resolução do contrato de compra e venda de bem imóvel com cláusula de alienação fiduciária. Assim, deve prevalecer as disposições do Código de Defesa do Consumidor a propiciar a rescisão unilateral do contrato por iniciativa dos promitentes compradores. (…). (TJGO, AC nº 5101458-58.2021.8.09.0051, Rel. Des. LUIZ EDUARDO DE SOUSA, 1ª Câmara Cível, DJe de 11/05/2022, g.)

 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESILIÇÃO CONTRATUAL C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES. DESISTÊNCIA DO COMPRADOR. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RETENÇÃO, PELO VENDEDOR, DE PERCENTUAL DA QUANTIA INVESTIDA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 543, DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RECONVENÇÃO. 1. O contrato de compromisso de compra e venda de imóvel caracteriza relação de consumo, razão pela qual aplicável é o Código de Defesa do Consumidor. 2. É lícita a retenção de 10% (vinte e cinco por cento) até 25% (vinte e cinco) sobre os valores efetivamente pagos pelo promitente comprador ante o desfazimento do negócio. 3. Nos moldes da Súmula 543, do Superior Tribunal de Justiça, na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel, revela-se abusiva a cláusula contratual que determina a restituição dos valores pagos pelo promitente pagador de forma parcelada, devendo ocorrer imediatamente. 4. Quanto à reconvenção, correta é a decisão magistral, eis que a possibilidade de resilição unilateral do contrato torna por completo prejudicado o pedido que foi contraposto, no sentido de obrigar a parte autora a registrar o pacto adjeto de alienação fiduciária. 5. Em que pese o contrato firmado entre as partes ter sido de compra e venda, mediante financiamento e alienação fiduciária em garantia, e não simples promessa de compra e venda, referido contrato não foi regularmente registrado no competente Registro de Imóveis. 6. Sendo assim, a rescisão do contrato deverá observar o regramento do Direito do Consumidor, não da Lei n. 9.514/97, o que motiva a improcedência do pedido reconvencional. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA, PORÉM DESPROVIDA. SENTENÇA MANTIDA. (TJGO, AC nº 5144793-67.2018.8.09.0105, Rel. Des. JEOVÁ SARDINHA DE MORAES, 6ª Câmara Cível, DJe de 10/05/2022, g)

 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. RESCISÃO CONTRATUAL. DESISTÊNCIA DO COMPRADOR. CDC. (…) 1. O contrato celebrado entre as partes dispôs sobre a faculdade de eventual alienação fiduciária, desde que houvesse a outorga antecipada da escritura definitiva ou do contrato particular de compra e venda com força de escritura pública, o que não ocorreu. (…). (TJGO, AC nº 5634338-32.2020.8.09.0164, Rel. Des. FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 1ª Câmara Cível, DJe de 06/04/2022)

 

Na hipótese vertente, os documentos colacionados aos autos, não demonstram que o instrumento contratual tenha sido registrado no cartório competente, não produzindo a avença, por si só, a eficácia da alienação fiduciária.

 

Desta forma, não há como prosperar o intento recursal da empresa ré/apelante ao pugnar pela aplicação das diretrizes da Lei federal nº 9.514/97, devendo ser mantida a sentença vituperada quanto a determinação de obediência à norma consumerista, propiciando-se aos recorridos, na qualidade de promitentes compradores, a rescisão unilateral do contrato.

 

A decisão proferida se alinha com o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça, fixado no julgamento do recurso repetitivo cadastrado sob o tema 1095, que exige o registro do pacto de alienação fiduciária para que haja a aplicação da sistemática da Lei de nº 9.514/97, em caso de rescisão unilateral do contrato por parte dos compradores.

 

Não havendo o registro, outro caminho não há a não ser a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, determinando-se a devolução das parcelas em parcela única, mediante o desconto de uma pequena parte dos valores pagos, a título de multa, como esclarece o advogado dos autores Rafael Rocha Filho, do escritório Rocha Advogados.

 

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Dr. Rafael Rocha Filho

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