RESTITUIÇÃO DE VALORES QUANDO O BANCO NÃO CONSEGUE LEILOAR O IMÓVEL

Restituicao De Valores Quando O Banco Nao Consegue Leiloar O Imovel

Ao adquirir o seu imóvel de forma financiada, a instituição financeira irá instituir uma garantia sobre esse bem, chamada de alienação fiduciária.

É essa garantia, instituída pela Lei de n° 9.514/97, que permitirá que o banco ou qualquer outro que seja o seu credor (pode até ser uma pessoa física) execute rapidamente a dívida.

Havendo o inadimplemento no pagamento das parcelas combinadas, o credor não irá propor uma ação na justiça para receber o crédito, ele irá executar a garantia fiduciária, informando o Cartório da existência do débito, pedindo para te notificarem.

Não havendo o pagamento dos valores em aberto, o credor irá fazer a consolidação da propriedade e, posteriormente, a realização dos leilões.

No primeiro leilão, o bem tem de ser vendido pelo valor da avaliação, que geralmente é feita no início do financiamento, com o valor estipulado no contrato. Raramente um imóvel é vendido no primeiro leilão.

Dessa forma, haverá o segundo leilão, onde o bem poderá ser arrematado pelo valor da dívida, isto é, pelo valor em aberto do que foi contratado no financiamento, somado com custas de cartório, multa, juros moratórios, correção monetária, entre outros encargos.

A maior parte dos imóveis são comercializados nesse segundo leilão.

Todavia, pode ocorrer de não haver interessados no imóvel, mesmo nesse segundo leilão. 

 

O que acontece se ninguém quiser o imóvel?

Nesse caso, não havendo ofertas pelo imóvel que atinjam o valor da dívida com os seus acréscimos, o art. 27, §5º, da Lei de nº 9.514/17, prescreve que será considerada quitada a dívida, ficando o credor no “prejuízo” das despesas do imóvel, a saber:

 

§ 5º Se, no segundo leilão, o maior lance oferecido não for igual ou superior ao valor referido no § 2º, considerar-se-á extinta a dívida e exonerado o credor da obrigação de que trata o § 4º. 

Ocorre, entretanto, que essa medida é considerada como injusta, pela Justiça, visto que o valor da dívida, em alguns casos, é muito inferior ao valor do próprio imóvel, o que faria com que o credor se enriquecesse de forma indevida.

 

Determinação de restituição da diferença entre o valor da avaliação do bem e o valor da dívida

Nessa situação, quando o valor de avaliação do imóvel supera o valor da dívida em aberto, com todos os seus encargos, a justiça tem entendido que deve haver a restituição dessa diferença ao devedor, sob pena de validar o enriquecimento sem causa do credor, veja:

 

Processual. Gratuidade processual requerida pela apelante-ré nas razões recursais denegada pelo Relator. Omissão da parte recorrente quanto ao   recolhimento   do   preparo   no   prazo   assinalado.   Deserção.   Apelo   da ré reconvinte não conhecido. Alienação fiduciária. Bem imóvel. Pacto adjeto a negócio de compra e venda. Excussão extrajudicial, sem licitantes nos leilões, com adjudicação pela credora fiduciária. Demanda de reintegração de posse de iniciativa dessa. 

 

Acolhimento  parcial  da  reconvenção  da  devedora  fiduciante, para reconhecer seu direito à percepção de eventual diferença entre o valor de avaliação do bem, apurado nos termos do art. 24, VI, da Lei nº 9.514/97, e o valor da  dívida  somado  ao  dos  encargos  mencionados  no  art.  27,  §  2º,  do  mesmo diploma  legal.  Inteligência  do  §  5º  do  mesmo  art.  27.  

 

Perspectiva  de  flagrante enriquecimento sem causa do credor fiduciário, tanto maior quanto menor for a extensão do débito, em caso de admissão do acréscimo patrimonial decorrente da adjudicação sem qualquer compensação ao devedor pela diferença em  relação  aos  encargos  de  responsabilidade  desse.  

 

Julgamento em  tal  sentido proferido nos limites da reconvenção, não se afigurando extra petita. Retificação, de ofício, de erro material existente  no dispositivo da r.  sentença, para constar que  a  reconvenção  foi  julgada  parcialmente  procedente,  não  improcedente. 

 

Sentença   reformada, por   seu   turno, quanto   aos   honorários   advocatícios sucumbenciais.   Inexistência   de   causa   para   o   arbitramento   por   equidade. Observância dos critérios de arbitramento do § 2º do art. 85 do CPC. Suspensão da exigibilidade dessas verbas, prevista no julgado, igualmente afastada, pois a ré não era beneficiária da gratuidade processual. Apelação da autora parcialmente provida para tal fim.” (TJSP; Apelação Cível 1002455-19.2017.8.26.0100; Relator (a): Fabio Tabosa; Órgão Julgador: 29ª Câmara  de  Direito  Privado;  Foro  Central  Cível -45ª  Vara  Cível;  Data  do Julgamento: 25/02/2022; Data de Registro: 25/02/2022).

 

Financiamento imobiliário Inadimplemento Procedimento extrajudicial  promovido  pela  instituição  financeira  credora  Adjudicação  do imóvel em segundo leilão e extinção da dívida Ação promovida pelos devedores com objetivo de receber a diferença entre o valor da avaliação e o da adjudicação. Possibilidade a despeito do artigo 27, parágrafo 5° da Lei 9.514/97 que  se  considera  não  aplicável  ao  caso  dos  autos. Observância  do  princípio  da vedação  ao  enriquecimento sem  causa. Recálculo  do  valor  a  ser  restituído  aos autores, observado o valor atualizado da avaliação e a inclusão no valor da dívida de  todos  os  encargos  moratórios  e  contribuições  condominiais.  Provimento integral do recurso dos autores e parcial provimento do recurso da ré.”  (TJSP;  Apelação  Cível  1007621-29.2018.8.26.0704;  Relator  (a):  Mário Daccache; Órgão Julgador: 29ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional XV -Butantã -1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 16/02/2022; Data de Registro: 22/02/2022).

Para exemplificar a questão, imagine que alguém adquiriu um imóvel de 500 mil reais e financiou esse valor com o credor.

Após algum tempo, o devedor não conseguiu realizar os pagamentos das parcelas e havia uma dívida de 200 mil reais.

O imóvel foi a leilão e, tanto no primeiro como no segundo, não houve quem desse lance pelo imóvel, razão pela qual o credor considerou como extinta a dívida e deu quitação ao devedor.

Nesse caso, embora a dívida fosse de 200 mil reais, o credor acabou ficando com um imóvel avaliado em 500 mil, ou seja, lucrou, sem motivo algum para isso, “apenas” 300 mil reais.

É por esse motivo que a justiça tem considerado que essa diferença entre o valor da avaliação (500 mil) e o valor da dívida (200 mil) não pode ficar com o credor, tendo de haver a devolução ao devedor, que no nosso exemplo seria de 300 mil reais.

Esse ganho que haveria, se não houvesse a possibilidade de restituição da diferença, caracterizaria enriquecimento sem causa, isto é, ganho por parte do credor sem que ele houvesse concorrido para isso de alguma forma, visto que o seu crédito é em valor muito inferior ao do próprio imóvel.

O enriquecimento sem causa é fortemente repelido pelo nosso sistema jurídico (art. 884, caput, do Código Civil), dando respaldo jurídico a quem possa estar nessa situação, para reaver os valores apropriados pelo credor. E, de igual maneira, a Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XXII, prevê a propriedade como direito fundamental.

 

Dr. Rafael Rocha Filho

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