Direitos trabalhistas: você está em desvio de função?
Uma enquete feita no blog Espaço do Trabalhador, com 2.401 participantes, demonstra o quanto a dúvida é comum entre empregados: 901 deles (ou 37,53% do total) concordam que exercem o cargo que consta na carteira de trabalho, mas são obrigados a desempenhar atividades que nada têm a ver com a função, dentro do número de horas para o qual foram contratados. Outros 620 leitores (representando 25,82%) afirmam que as atividades que exercem são completamente diferentes do que está registrado na carteira de trabalho…
Parte das questões enviadas à redação pelos leitores foi encaminhada pela reportagem à juíza Julieta Pinheiro Neta, da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da IV Região (Amatra IV).
— Mais de 90% dos processos que julgo contêm os chamados desvios de função e casos parecidos com os dos leitores — explica a juíza.
Julieta afirma que a melhor forma de provar essas situações é a partir de testemunhas que tenham trabalhado no mesmo período do reclamante.
Saiba mais sobre o assunto
Reunimos dúvidas enviadas por leitores ao Espaço do Trabalhador e pedimos para a juíza Julieta Pinheiro Neta responder se, no seu entendimento, poderia haver ali uma situação de desvio de função.
— Lembrando sempre que, na Justiça, o caso é avaliado em todos os seus detalhes, o que não acontece aqui, pois precisamos de mais informações sobre todos eles para fazer uma análise correta – explica a magistrada.
Além disso, Julieta ressalta que a expressão “desvio de função” só pode ser usada quando a empresa tiver quadro de carreira. Do contrário, poderá, dependendo do caso concreto, haver equiparação salarial ou acúmulo de função, que, conforme a complexidade e responsabilidade, pode gerar pagamento de acréscimo salarial.
Confira as análises feitas pela magistrada
— Sou técnica em enfermagem mas, na clínica em que trabalho, tenho que procurar prontuários, digitar laudos, organizar consultórios de médicos, atender telefone e marcar consultas.
Juíza Julieta — A situação parece não pressupor desvio de atividade, pois são tarefas compatíveis com a função.
— Fui contratada por uma empresa como operadora de caixa mas, além disso, tenho que ajudar em setores como cozinha, padaria e faxina. Também cubro folga de supervisores de caixa até quatro vezes por semana. Nessas folgas, não recebo a mais.
Juíza Julieta — Acrescentar responsabilidade a um funcionário, como a função de supervisor, sem promovê-lo nem compensá-lo pode se enquadrar em desvio de função, sim. No caso de substituição de férias, o empregado tem direito ao mesmo salário pago ao substituído.
— Sou atendente e ganho comissão de vendas. Na empresa em que trabalho, me colocam em escala de pia. Reclamei, e o encarregado disse que isso só seria desvio de função se eu fosse para a escala todos os dias.
Juíza Julieta — Quem recebe comissão por vendas não pode realizar atividades que o impeçam de atuar para receber esse valor a mais. No caso da leitora, é devido acréscimo salarial.
— Sou auxiliar de logística e, na empresa em que trabalho, me mandam prensar papelões e plásticos, operando uma máquina elétrica e hidráulica para reciclagem. Quando me nego a ir, eles me dão advertência e suspensão por indisciplina e insubordinação.
Juíza Julieta — Nesse caso, as atividades estão dentro da função, portanto, não parece haver ilegalidade.
— Fui contratado para assistente administrativo só que, na empresa, sou obrigado a limpar o chão e o banheiro.
Juíza Julieta — Não é o caso de desvio de função, e, sim, de receber um valor a mais por insalubridade, já que a limpeza é feita com produtos químicos, que podem afetar a saúde do funcionário.
— Trabalhei como auxiliar administrativo durante um ano e fazia as funções da área, mas também era caixa, recepcionista e fazia serviços de copa e cozinha (fazer café, reposição de materiais de faxina, retiradas de lixo toda semana). E tudo isso grávida.
Juíza Julieta — O caso pode ser enquadrado em acúmulo de função. Estar grávida não influencia, pois a gestante tem as mesmas obrigações dos demais funcionários. Agora, no caso de fazer faxina, pode se aplicar adicional de insalubridade.
— Trabalho como motorista de carro pequeno e, às vezes, o dono da empresa me coloca para arrumar o depósito e até mesmo fazer cabos de redes. Às vezes, ele me liga pelo celular, me trata mal e grita comigo. Quando entrei na empresa, ele me disse que eu teria duas horas de almoço, agora tenho só uma hora.
Juíza Julieta — Não parece caso de acúmulo de função, porém, o fato de o chefe tratá-lo mal pode caracterizar dano moral. Além disso, a diferença no horário de almoço pode gerar cobrança de hora extra.
— Minha carteira é assinada como entregador, mas faço a função de conferente, carregamento, descarregamento e motorista.
Juíza Julieta — A responsabilidade do conferente está acima da função de entregador. Portanto, pode caracterizar acúmulo de função.
— Trabalho em supermercado, era operadora de caixa e depois fui passada para repositora. Há dois anos e meio, estou como repositora, e há dois meses o gerente me pediu para voltar ao caixa. Eles podem fazer isso, mesmo eu não estando de acordo? Eles também não dão cópia do contrato de trabalho.
Juíza Julieta — Todo trabalhador tem direito a uma cópia do contrato. E, para voltar a exercer a função anterior, é preciso que patrão e empregado estejam de acordo, senão, não será possível. Não é o caso de desvio de função.
— Fui chamada para a vaga de auxiliar comercial mas, em minha carteira de trabalho, fui registrada como vendedora interna júnior. Porém, na verdade, não vendo absolutamente nada! Dou suporte técnicos aos vendedores externos, rastreamento de mercadorias, entregas, colocação de pedidos no sistema etc.
Juíza Julieta — Há critérios para se apontar desvio de função.
— Sou motoboy numa empresa, mas eles mandam eu ser motorista de carro também. Fui contratado como motoboy. Queria saber se isso é desvio de função?
Juíza Julieta — Acredito que não há alteração/acúmulo de função sujeita a acréscimo salarial, porque não há maior complexidade para habilitação, além de proporcionar ao emprego mais segurança e comodidade.
Fonte: diariogaucho