DECISÃO DO STJ SOBRE AFASTAMENTO DO CDC NO CASO DE CONTRATO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA (JULGAMENTO DO TEMA 1095)

Decisao Do Stj Sobre Afastamento Do Cdc No Caso De Contrato Com Alienacao Fiduciaria Julgamento Do Tema 1095

Finalmente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), julgou o recurso que originou no repetitivo cadastrado sob o nº 1095.

 

Essa decisão repercutiu em inúmeros portais jurídicos e outros, de notícias populares, como sendo uma decisão que trouxe segurança para o mercado imobiliário e alguns interpretaram que o decidido trouxe prejuízo aos consumidores.

 

Afinal, o que que o STJ decidiu?

 

O que estava em jogo?

 

A questão a ser analisada pela Corte da Cidadania tratava de aplicar ou não o Código de Defesa do Consumidor (CDC) aos casos de rescisão de contrato de compra e venda de imóvel que tinham a alienação fiduciária como forma de garantia.

 

Em resumo, caso o contrato tivesse essa previsão, na hora de se desfazer o contrato, não valeriam as regras do CDC, em especial a do art. 53, caput, que determina o seguinte:

 

 Art. 53. Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.

 

Seria aplicado, nessa situação, as normas previstas na Lei de nº 9.514/97, que trata da alienação fiduciária em imóveis, e que prevê a possibilidade de os compradores perderem uma significativa parcela dos valores pagos e, a depender da situação, até a totalidade dos valores.

 

É que no sistema da lei da alienação fiduciária de imóveis, não existe a possibilidade de o comprador “desistir” do imóvel e receber os valores pagos, descontando-se uma eventual multa, a título de penalidade.

 

Essa lei prevê uma forma de execução dessa garantia por meio de leilões.

 

No primeiro leilão, o imóvel tem de ser vendido por valor igual ou superior ao valor do imóvel. No segundo, basta ser superior ao valor da dívida. Haverá devolução de valores apenas se o lance for superior a esses patamares, caso seja inferior, não há devolução e o comprador perderá todos os valores pagos.

 

Sobre essas regras de valor pelo qual um imóvel pode ser leiloado, seguindo as regras da Lei de nº 9.514/97, tratei nesse outro texto: Por qual valor um imóvel financiado pode ser vendido no leilão?

 

Então, o STJ iria decidir, nesses casos, qual se aplicaria, o CDC ou a Lei de nº 9.514/97.

 

O que foi decidido?

 

Houve a fixação da seguinte tese:

 

“Em contrato de compra e venda de imóvel com garantia de alienação fiduciária devidamente registrado, a resolução do pacto, na hipótese de inadimplemento do devedor, devidamente constituído em mora, deverá observar a forma prevista na Lei nº 9.514/97, por se tratar de legislação específica, afastando-se, por conseguinte, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.”

 

Ainda não houve a publicação do acórdão e dele caberá recurso, embora não haja esperanças em alteração do que restou decidido.

 

O Superior Tribunal de Justiça, desse modo, entendeu que nesse tipo de contrato, quando houver o registro da alienação fiduciária, em caso de inadimplemento do devedor, devidamente constituído em mora, não haverá a aplicação do CDC, mas da Lei de nº 9.514/97.

 

Essa decisão deverá ser seguida por todos os demais Tribunais, por ter sido fixada em um recurso repetitivo.

 

Houve alguma surpresa?

 

Não. O entendimento majoritário da jurisprudência sempre foi no sentido de que, havendo o registro da alienação fiduciária, valeria a Lei de nº 9.514/97 em detrimento ao Código de Defesa do Consumidor.

 

Poderia até haver uma ou outra decisão em sentido contrário, mas nada capaz de mudar esse alinhamento há muito consolidado.

 

Não houve, portanto, nenhuma grande novidade com essa decisão do STJ.

 

A decisão trouxe segurança?

 

Em partes, sim, trouxe. Agora está decidido, através de um recurso repetitivo, que deverá ser seguido pelas demais instâncias judiciais, esse afastamento do CDC quando houver o pacto de alienação fiduciária registrado.

 

Todavia, algumas questões que restaram da decisão ainda não ficaram muito bem esclarecidas e isso poderá, invariavelmente, gerar mais discussões e questionamentos.

 

Pontos que merecem cuidado

  • Necessidade de registro da alienação fiduciária

 

Na decisão, ficou fixado que será afastado o CDC quando houver o registro da alienação fiduciária.

 

Essa parte da decisão foi muito boa para os consumidores/compradores. Primeiramente, não há como fazer esse registro quando o imóvel ainda se encontra “na planta” (incorporação imobiliária).

 

Então, não haverá como se aplicar essa previsão para os contratos regidos pela Lei de nº 4.591/1964, enquanto não concluída a incorporação, edificados os imóveis e realizada a individualização das matrículas.

 

Seria possível, se falar em sua aplicação quando o imóvel estivesse pronto, concluído. Outro caso de sua aplicação é em lotes/loteamento.

 

Entretanto, para que seja possível fazer isso, é necessário que o pacto de alienação fiduciária esteja registrado, não bastando a sua mera previsão no contrato. Apenas com o registro é que se constitui a alienação fiduciária, conforme determina o art. 23, caput, da Lei de nº 9.514/97.

 

Em muitos casos, as empresas do ramo imobiliário simplesmente previam o pacto da alienação em seus contratos de “gaveta”, sem realizar o registro, até porque em algumas situações isso não é possível e, em outras, o custo é muito elevado.

 

Ausente o registro, não haverá a aplicação da Lei de nº 9.514/97, mas o Código de Defesa do Consumidor, quando houver uma relação de consumo, e demais legislações específicas.

 

  • Inadimplemento do devedor

 

A decisão do STJ fala, de forma expressa, que o afastamento do CDC se dará quando houver inadimplemento do devedor.

 

Via de regra, inadimplemento se dá quando alguma obrigação não é cumprida, especialmente, quando falamos de imóvel comprado de forma parcelada, a ausência dos pagamentos ajustados.

 

Há alguns que entendem que, quando o comprador pede a rescisão contratual, mesmo estando com todas as parcelas em dia, haveria o seu inadimplemento em relação à obrigação de seguir com o contrato, conforme pactuado no início.

 

Algo que, porém, é muito perigoso. Não existe, propriamente dito, uma inadimplência do comprador quando ele está em dia com as suas obrigações financeiras e, simplesmente, não quer mais seguir com o negócio.

 

A decisão do STJ não afirmou que em qualquer hipótese de rescisão contratual se afastará o CDC, apenas em caso de inadimplemento do devedor, algo que poderá ser questionado quando não houver o inadimplemento, mas pedido de resilição unilateral do contrato.

 

  • Inadimplemento do credor

 

Não é difícil que as empresas do ramo imobiliário fiquem inadimplentes com suas obrigações perante os compradores, por exemplo, quando não entregam os documentos necessários do imóvel, quando atrasam na entrega da obra, enfim, em várias situações.

 

Havendo qualquer inadimplemento do credor, evidentemente, não se aplicará o decidido no tema 1095, visto que ele se circunscreve ao inadimplemento causado pelo devedor.

 

Partindo, essa inadimplência, do credor, certamente se poderá pedir a rescisão do contrato com todas as previsões do Código de Defesa do Consumidor, desde que a relação estabelecida entre as partes seja de consumo.

 

Necessidade de constituição do devedor em mora

 

A decisão, ainda, restringiu a aplicação do que foi estabelecido para os casos em que houver a devida constituição em mora do devedor, isto é, quando ele se tornar inadimplente e o credor enviar a notificação extrajudicial concedendo-lhe prazo para pagamento da dívida, sob pena de consolidação da propriedade.

 

Este é outro motivo para que a resilição unilateral do contrato, por parte do consumidor/comprador, não pode ser motivo para aplicação da alienação fiduciária. É que nessa situação, quando o comprador não está em atraso no pagamento de suas parcelas, não há como a empresa vendedora lhe constituir em mora, o que afastaria a aplicação da decisão do STJ.

 

Considerações finais

 

Essa decisão, que foi tão celebrada pelo mercado imobiliário e recebida, pelos compradores/consumidores, com tristeza, não foi essa novidade toda. Além disso, vejo que, em boa parte, ela trouxe benefícios aos compradores.

 

É sempre importante que você, antes de adquirir um imóvel ou que esteja pensando em desistir de uma compra feita, procure um advogado especialista no assunto para lhe orientar do melhor modo, inclusive com base nos entendimentos mais recentes dos Tribunais.

 

Dr. Rafael Rocha Filho

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