Desconsideração da Personalidade Jurídica e a sua Aplicação no Código de Processo Civil

  1. INTRODUÇÃO

O novo Código de Processo Civil, traz no seu bojo, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, nos arts. 133 a 137, a lei processual é corroborada pelas previsões legais do direito material, expostas tanto no Código de Defesa do Consumidor, quanto no Código Civil.

Na seara das relações consumeristas ocorre quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

No âmbito das relações civilistas, por sua vez, ocorre no caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial.

Destarte, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, é o instituto adequado e necessário, por meio do qual se instrumentaliza as previsões legais do direito material.

O presente trabalho, portanto, buscará demonstrar alguma nuances da aplicação do incidente em comento, sem, contudo, esgotar as discussões da matéria.

  1. DESENVOLVIMENTO

Em que pese sua previsão legal, encontrar-se devidamente codificada em distintos textos legais, a desconsideração da personalidade jurídica, é medida extrema, não podendo ter sua aplicação em toda e qualquer situação, sob pena de banalização do instrumento processual, além de suprimir outras medidas judiciais disponibilizadas pelo legislador.

Assim, nos termos do que prevê o art. 133 e seguintes, do CPC, necessário se faz o preenchimento de alguns requisitos como se verá nas linhas ulteriores.

Relevante mencionar a redação do texto processual, cujo teor deixa claro que para sua aplicação, indispensável a observância dos pressupostos legais, vejamos:

Art. 133.  (…)

  • 1oO pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.

Nesse sentido deve-se analisar a situação a partir da relação negocial estabelecida pelas partes.

Se o caso for de relação de consumo, relevante então atentar para o que dispõe o art. 28 e seus parágrafos do Código de Defesa do Consumidor.

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

  • 1° (Vetado).
  • 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.
  • 3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.
  • 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa.
  • 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

 

Analisando o incidente pela perspectiva do Códex Consumerista, patente perceber que suas normas são bastante flexíveis e favoráveis ao consumidor. Nele, a desconsideração da personalidade jurídica relaciona-se com a teoria menor ou objetiva, tendo como único requisito o prejuízo ao credor.

Registre-se que as previsões do Código de Defesa do Consumidor são amplas e, até mesmo, genéricas, pois como visto, no que dispõe o parágrafo 5º do artigo supramencionado, basta que a pessoa jurídica seja um obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados a consumidores para que seja desconsiderada.

Agora, se a relação do direito material, foge da seara consumerista, tem-se então que se observar o caso, sob o manto civilista, adotando-se os requisitos do Código Civil, este um tanto menos flexível do que aquele.

Sua redação se expõe no art. 50 do mencionado diploma legal:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Aqui, no Códex Civilista, a desconsideração da personalidade jurídica, adotou posicionamentos da teoria maior ou subjetiva como prefere alguns juristas, nela, condiciona a aplicação do instituto, ao preenchimento de dois requisitos, a saber: abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, dos quais resulta o prejuízo ao credor.

Tecendo comentários acerca da matéria, o jurista Humberto Theodoro Junior:

É a denominada disregard doctrine do direito norte-americano, que autoriza o Poder Judiciário a ignorar a autonomia patrimonial entre a empresa e seus sócios ou administradores, sempre que for manipulada para prejudicar os credores. Desta forma, o patrimônio dos sócios é alcançado na reparação de danos provocados pela empresa a terceiros, quando houver desvio de finalidade ou confusão patrimonial, para os quais os gestores tenham concorrido.

Oportuna a lição de Ana Caroline Ceolin:

[…] um remédio jurídico que possibilita aos magistrados prescindirem da estrutura formal da pessoa jurídica para tornar a sua existência autônoma, como sujeito de direitos, ineficaz em uma situação particular.

[…] o objetivo da Teoria da Desconsideração é imputar aos membros da pessoa jurídica “a responsabilidade por abusos e fraudes perpetrados”.

A jurisprudência pátria é sólida quanto ao instituto e as teorias do direito material.

A desconsideração da personalidade jurídica, ao longo do ordenamento jurídico, ganha contornos particulares, a depender da relação de direito material em que sua aplicação é requerida, informando-se pela teoria maior, quando exigida a demonstração do abuso de personalidade, ou pela menor, quando satisfeita pela insolvência do devedor. TJMG. Agravo de Instrumento-Cv 1.0701.09.266185-2/002 0683872-65.2016.8.13.0000. Des.(a) Kildare Carvalho. 16ª Câmara Cível. Publicado em 27/03/2017.

Dessa forma, preenchida a condição de prejuízo ao credor, e verificada a impossibilidade de satisfação da obrigação que é devida à pessoa jurídica pelas vias processuais disponíveis, imperiosa será aplicação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, que como dito alhures, é medida extrema.

Nesse caminhar, observadas as regras descritas em lei, há de recorrer e amparar ao que prescreve o legislador processual a respeito da sua aplicação no intuito de instrumentalizar as normas do direito material.

Tal instituto, como por todos cediço, permite ao magistrado responsabilizar sócios e administradores de pessoas jurídicas, evitando-se fraudes e abusos de direito, principalmente em razão de prejuízos causados a terceiros.

Infere-se, daí, que o escudo que protege a pessoa jurídica é retirado e os bens dos sócios e administradores são alcançados pela justiça para satisfazer uma obrigação.

Na esteira processual, o novo Código de Processo Civil cuidou da matéria nos arts. 133 a 137, traçando o procedimento a ser adotado na sua aplicação, de maneira a submetê-lo, adequadamente, à garantia do contraditório e ampla defesa.

Nesse diapasão, um excerto dos mencionados dispositivos legais:

Art. 133.  O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.

Veja que superado os requisitos do direito material, importante, igualmente a observância dos pressupostos processuais para somente então se proceder com a aplicação do incidente de desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.

Do aludido texto, forçoso perceber que o juiz não o pode aplicar de ofício, sendo assim, necessário se faz o requerimento de sua instauração pela parte interessada, ou seja, aquelas listadas no supramencionado texto legal.

A outro tanto, como se pode verificar da inteligência do art. 134 do mesmo diploma legal, sua instauração se dá em qualquer fase da demanda, seja ela, um processo de conhecimento ou execução de um título extrajudicial.

Relevante mencionar que ocorrida a instauração do incidente, que deverá ser autuado em autos apartados, a ação principal ficará suspensa, exceto se já estiver instruído como um dos pedidos na petição inicial, neste caso não há que se falar em suspensão do processo (Art. 134, §§ 2º e 3°).

Instaurado o incidente em autos apartados serão os sócios citados para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias (Art. 135).

A decisão judicial que resolve o incidente de desconsideração da personalidade jurídica tem natureza de decisão interlocutória podendo ser desafiado por meio de agravo de instrumento (Art. 1.015, IV) ou, se no caso, o incidente for resolvido em sede recursal, pelo relator, a decisão será atacável por meio de agravo interno (art. 136, § 1º).

Interessante dizer que, uma vez acolhido o pedido de desconsideração, toda e qualquer alienação ou a oneração de bens, realizada pela pessoa jurídica devedora, em decorrência de fraude à execução, tornar-se-á ineficaz em relação ao credor, requerente do incidente (Art. 137.).

Assim, uma vez preenchidos os pressupostos legais, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica terá o seu deferimento como medida de lídima justiça.

  1. CONCLUSÃO

Percebe-se, portanto, que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, previsto no Código de Processo Civil, resta induvidoso ser meio necessário e adequado para prevenção contra fraudes.

A outro tanto a proteção dos direitos de credores, vítimas de ardilosas condutas de devedores.

Forçoso então concluir, que acertada a previsão legal do incidente em comento, haja vista que o mesmo é forte escudo em favor de credores e eficaz para atingir o patrimônio daquele que mal se portou, para a reparação dos danos provocados.

REFERÊNCIAS.

BRASIL, Goiânia, LEI Nº 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015, Código de Processo Civil, Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm – acesso em 24/04/2018;

BRASIL, Goiânia, LEI Nº 8.078, DE 11 DE SETEMBRO DE 1990, Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm – acesso em 24/04/2018;

BRASIL, Goiânia, LEI No 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002, Código Civil. Disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm – acesso em 24/04/2018;

CEOLIN, Ana Caroline Santos. Abusos na Aplicação da Teoria da Desconsideração da Pessoa Jurídica. Belo Horizonte. Del Rey. 2002. p. 1-3;

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum – vol. I / Humberto Theodoro Júnior. 56. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2015.

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