NA ARREMATAÇÃO DE IMÓVEL, EM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA, POR VALOR MAIOR QUE A DÍVIDA, DEVE HAVER RESTITUIÇÃO
Uma das maneiras mais comuns, hoje, de alguém comprar um imóvel é por meio de um financiamento, seja o realizado com um banco (instituição financeira) ou diretamente com uma empresa do ramo imobiliário (construtora, incorporadora ou imobiliária).
E, geralmente, esse financiamento realizado vai requerer uma forma de garantia. É muito difícil que alguém empreste dinheiro sem se precaver em relação ao devedor, renegando essa garantia.
Sabendo da dificuldade que é realizar uma garantia para aquisição de um imóvel, por necessitar de que um outro de bem de igual valor ou superior para que o financiamento ocorra e pelo fato de os devedores terem patrimônio pequeno, surge a Lei de nº 9.514/97, instituindo a alienação fiduciária de coisa imóvel.
Na alienação fiduciária, em resumo, o próprio bem que foi financiado é dado em garantia de pagamento.
Desta forma, caso haja a inadimplência, o imóvel adquirido será levado a leilão para venda e, caso este não seja exitoso, ocorrerá a adjudicação do bem ao credor.
O primeiro passo para a validade da alienação fiduciária
Antes de falarmos do leilão do imóvel e da própria dívida, é importante, contudo, tratarmos dos requisitos e validade desse procedimento.
O primeiro requisito, portanto, é que haja o registro, perante o competente Cartório de Registro de Imóveis, do contrato com a previsão da alienação fiduciária para que esta valha, art. 23, da Lei de nº 9.514/97.
Sobre esse tema, inclusive, você pode se aprofundar neste outro artigo: Alienação fiduciária de imóvel sem registro vale ou não?
É necessário informar ao devedor que ele está em mora (devendo)
Outro ponto importante e que pode causar a nulidade de todo o procedimento da execução da alienação fiduciária, é a ausência de ciência do devedor acerca da dívida.
A lei exige que haja a constituição em mora do devedor, mediante notificação expedida pelo oficial do Cartório de Registro de Imóveis, mediante intimação pessoal, para que coloque em dia os seus débitos, no prazo de 15 dias, conforme estabelece o art. 26, § 1º.
Acerca desse assunto, eu tenho outro artigo que pode te ajudar a entender as principais nulidades desta fase e como não perder o seu bem, veja: Meu imóvel financiado está indo a leilão sem eu saber.
A intimação tem de chegar ao endereço do devedor
Essa intimação realizada, tem de ser direcionada ao endereço correto do devedor. E, na maior parte das vezes, o endereço é o que consta no próprio contrato de aquisição/financiamento do imóvel.
Ocorre que, em alguns casos, o Cartório de Registro de Imóveis envia a notificação para um endereço similar, contudo, equivocado, dizendo que houve a intimação do devedor. Às vezes, o número da rua está errado, o bairro, o número do imóvel, da quadra ou do lote.
É preciso atenção nesses detalhes, eles podem ser muito importantes e utilizados por quem está passando por uma situação delicada como essa.
Nesse outro texto, trago mais detalhes sobre essa questão: Leilão de imóvel pode ser cancelado por uma letra ou um número.
E quando não acha o devedor de nenhuma forma?
Nesse caso, havendo o esgotamento das tentativas de localizar o devedor, no endereço informado, sem que ele tenha sido encontrado, haverá a possibilidade de realizar a intimação por edital, conforme art. 26, § 4º, da Lei nº 9.514/97.
Essa intimação, no entanto, depende do cumprimento de uma série de requisitos, inclusive, publicação em jornais.
Várias irregularidades são encontradas nesse tipo de intimação, por exigir o cumprimento de muitos requisitos, algum acaba não sendo atendido, dando motivo para anular o procedimento.
Eu tratei deste tema nesse outro artigo: Nulidades na intimação por edital para leilão de imóvel financiado.
Por qual valor o imóvel poderá ser arrematado no leilão?
Bom. Considerando que todas as etapas anteriores foram cumpridas de forma correta, haverá a realização do leilão para a venda do imóvel que foi utilizado para garantir a dívida.
O leilão poderá ser não apenas um, mas dois, a depender da ausência de lances em valores suficientes.
Em resumo, no primeiro leilão, o bem será vendido caso o lance atinja o seu valor. Raramente alguém dá lance no primeiro leilão, aguarda-se o segundo, onde o bem poderá ser vendido caso haja lance que seja igual ou superior ao valor da dívida.
Também sobre ponto, fiz um outro texto trazendo maiores explicações e exemplos que você pode conferir: Por qual valor um imóvel financiado pode ser vendido no leilão?
E se o valor do lance vencedor for maior que o da dívida?
Chegamos ao ponto principal deste texto, razão de seu título.
O art. 27, § 5º, da Lei de nº 9.514/97, determina que, não havendo nenhum lance vencedor, nos leilões, a dívida será considerada extinta e o credor não terá de realizar nenhuma restituição de valores ao devedor, veja:
§ 5º Se, no segundo leilão, o maior lance oferecido não for igual ou superior ao valor referido no § 2º, considerar-se-á extinta a dívida e exonerado o credor da obrigação de que trata o § 4º.
A lei pecou por não considerar que poderiam haver casos em que o lance ofertado fosse muito superior à dívida, o que poderia gerar um enriquecimento sem causa ao credor.
Imagine a situação onde alguém pretenda adquirir um imóvel de 1 milhão de reais, dê, como forma de entrada, R$ 700 mil e seja devedor de um saldo de R$ 300 mil.
Caso não consiga realizar o pagamento da dívida, o imóvel irá para os leilões e, no segundo, havendo um lance igual ou superior à dívida atual, que vamos supor de R$ 350 mil, o bem será arrematado.
Imagine, contudo, que esse lance vencedor fosse de R$ 800 mil, enquanto que a dívida fosse de apenas R$ 350 mil. E a diferença dessa operação, de R$ 450 mil, com quem ficaria?
Em tese, esse valor seria embolsado pelo credor, mesmo que o seu crédito fosse de R$ 350 mil, como usamos no nosso exemplo.
Isso é justo?
A justiça já foi chamada a decidir um caso exatamente assim.
O caso envolvia um imóvel que foi arrematado, em terceiro leilão, pelo valor de R$ 958.500,00, enquanto que a dívida para com a instituição financeira era de R$ 450.187,76.
A figura do terceiro leilão não existe, na lei. Ocorre, entretanto, que como o bem havia sido adjudicado pela instituição financeira, em razão de ausência de lances vencedores nos dois anteriores leilões, o imóvel passou a lhe pertencer, tendo optado por realizar outro leilão para a venda do bem.
O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás determinou que a instituição devolvesse a diferença entre o saldo devedor existente e o lance vencedor, abatendo-se as despesas que ocorreram, não se aplicando o dispositivo do § 5º, do art. 27, da Lei de nº 9.514/97, evitando-se, no ordenamento jurídico, a aceitação do enriquecimento sem causa, veja:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CÍVEL. ERRO MATERIAL. PREMISSA EQUIVOCADA. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE. AUSÊNCIA DE LANCE NOS DOIS PRIMEIROS LEILÕES. VENDA NO TERCEIRO LEILÃO. PREÇO SUPERIOR À DÍVIDA. INAPLICABILIDADE DO ART. 27, § 5º, LEI Nº 9.514/97. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. NECESSIDADE DE DEVOLUÇÃO DO SALDO REMANESCENTE.
1. Reconhece-se o erro material decorrente de premissa equivocada, para tomar como verdadeiro o fato de que o imóvel objeto da ação foi alienado no terceiro leilão extrajudicial, e não no segundo, conforme considerado no voto objeto dos aclaratórios.
2. Referido fato altera o raciocínio que conduziu o decisum embargado, pelo que se impõe que se lhe dê nova fundamentação.
3. Não se aplica o disposto no § 5º da Lei nº 9.514/97, o qual exonera o credor da obrigação de devolução da importância que sobejar a venda do imóvel realizada em um terceiro leilão, após frustrados os dois primeiros por ausência de licitantes. Precedente STJ.
5. Ademais, pelo princípio do enriquecimento sem justo motivo, se o imóvel foi vendido em leilão por um valor superior ao saldo devedor, impõe-se ao credor devolver ao devedor o saldo remanescente.
6. Embora com base em fundamentação diversa, mantém-se o dispositivo do voto embargado, o qual reformou a sentença e reconheceu a existência de valor a ser devolvido pela arrematação do imóvel levado a leilão, em montante a ser apurado em liquidação, consideradas as deduções legais do saldo remanescente. Embargos Declaratórios acolhidos. Erro material corrigido. (TJGO, Apelação (CPC) 5246932-65.2018.8.09.0051, Rel. Des (a). GILBERTO MARQUES FILHO, 3ª Câmara Cível, julgado em 27/07/2020, DJe de 27/07/2020)
A medida adotada é, no mínimo, justa.
Permitir que a instituição financeira ficasse com a diferença do saldo devedor seria legalizar o enriquecimento sem causa, onde uma pessoa (banco, no caso) ficaria com mais de R$ 500 mil reais, de forma indevida, visto que havia recebido valor suficiente para o pagamento do débito existente.
Esse é um direito que poucas pessoas sabem que têm, especialmente as que passaram por um processo/procedimento de perder um imóvel garantido por alienação fiduciária, pensando que não havia mais nada que pudesse fazer.
Sabe de alguém que está enfrentando essa situação ou que já perdeu o imóvel? Mande esse texto para ela, quem sabe poderá isso poderá ajuda-la a minimizar os seus prejuízos.
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Dr. Rafael Rocha Filho