CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA EM CONTRAT DE ALUGUEL: VALE OU NÃO?
Nos últimos dois textos, escrevi sobre a possibilidade ou não de haver a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei de nº 8.078/1990, em contrato de aluguel, seja residencial ou comercial, quando intermediados por uma administradora, geralmente, uma imobiliária, veja os textos:
Relação de consumo em contrato de locação residencial intermediado por imobiliárias
Relação de consumo em contrato de locação comercial intermediado por imobiliária
Nesses artigos, falei sobre o que é o contrato de intermediação imobiliária, sobre a locação residencial, comercial, quem é cada integrante do contrato, entre outros pontos.
A compreensão desses textos anteriores é de suma importância para que você entenda corretamente o que será falado agora. Então, leia-os, caso ainda não tenha feito isso.
Hoje, irei tratar de uma questão que é incluída em quase todos os contratos de locação, a chamada cláusula compromissória, que é um mecanismo que faz com que haja a substituição do Poder Judiciário tradicional por um terceiro, um árbitro, no julgamento de qualquer problema que surja daquele contrato.
Essa cláusula tem a função de retirar do Judiciário a possibilidade de analisar uma ação decorrente do contrato no qual ela está presente submetendo o conflito para a solução do juízo arbitral.
Antes de irmos para a análise da possibilidade de existir essa cláusula nos contratos de locação, precisamos entender melhor o que é a arbitragem e a cláusula compromissória, entre outros pontos, para que a compreensão do tema seja completa.
A arbitragem
A arbitragem é uma forma alternativa de solução de conflitos que existe para que as pessoas, empresas e até o Poder Público possam resolver seus problemas, sem a necessidade de que o processo seja julgado pelo tradicional Poder Judiciário.
Existe uma lei que trata especificamente desse assunto, que é a Lei de nº 9.307/1996, que possui uma série de regulamentos acerca da arbitragem, sua forma de instituição, procedimentos, etc.
Aqui, vamos nos ater apenas à sua aplicação em relação aos contratos de aluguel/locação.
Quando há a instituição da arbitragem, via de regra, quem irá decidir o conflito que surgir daquela relação não será um juiz, conforme afirmado acima, mas um árbitro.
A decisão que for proferida por esse árbitro é soberana. Não cabe recurso para o Judiciário, caso o alguém fique insatisfeito com a sentença arbitral. O máximo que pode haver é a declaração de nulidade do procedimento, caso tenha ocorrido um defeito grave nesse processo. As hipóteses de nulidade, entretanto, são bem restritas e estão prescritas no o art. 32, da Lei de nº 9.307/1996.
Vantagens e desvantagens da arbitragem
A arbitragem apresenta algumas características próprias que a torna vantajosa, como: celeridade para julgamento de processos, custo inferior ao Judiciário, ausência de infinidade de recursos, boa estrutura e organização das Cortes Arbitrais.
Para que você tenha ideia, há processos que tramitam na via arbitral que, do início da ação até o seu fim, leva menos de 5 meses. O mesmo processo, na justiça comum, levaria 2 anos ou mais.
As custas que são pagas costumam ser muito mais baratas que as cobradas pelo Judiciário.
Além disso, os árbitros, geralmente, são juristas especialistas naquele assunto, o que confere decisões com mais precisão técnica.
Todavia, a arbitragem ainda tem um longo caminho para ser utilizada como medida alternativa de solução de conflitos e, algumas características que a torna uma boa via, ao mesmo tempo, representam desvantagem.
A principal queixa em relação à arbitragem é a ausência de possibilidade de rediscussão do que foi decidido pelo Judiciário e de recursos, porque, via de regra, há apenas a possibilidade de um pedido de esclarecimento, semelhante aos embargos de declaração, que tem a função apenas de sanar alguma omissão, dúvida ou erro material da sentença, mas não para haver um rejulgamento do caso.
Há, também, uma grande desconfiança das partes em relação à imparcialidade do árbitro e da Corte, o que é alimentado pelo fato de que alguns possuem relacionamento com grandes empresas, principalmente do ramo imobiliário.
Creio que esse receio é o que mais impede o uso da arbitragem, principalmente pelos consumidores.
Instituição da arbitragem
Antes de haver a possibilidade de um árbitro decidir acerca de um conflito, é necessário que haja a instituição da arbitragem, que pode ocorrer de duas maneiras.
Mediante o compromisso arbitral, que é uma convenção realizada após o surgimento do litígio, onde as partes o submeterão à arbitragem.
Ou, então, pela cláusula compromissória, que é uma convenção realizada de modo prévio ao surgimento do litígio, onde as partes ajustam que, surgindo algum problema futuro, ele será resolvido via arbitragem.
Vamos tratar, nesse texto, apenas da cláusula compromissória nos contratos de locação.
Cláusula compromissória nos contratos de locação é válida?
Submeter um litígio à arbitragem é uma faculdade que as pessoas capazes podem fazer. Via de regra, portanto, se for feita seguindo os preceitos legais, não há nenhum problema.
Alguns pormenores surgem quando há uma relação de consumo naquele negócio jurídico que foi feito, o que fará com que a arbitragem, mesmo prevista em cláusula compromissória, seja uma faculdade do consumidor, não podendo ser utilizada de forma obrigatória.
O Superior Tribunal de Justiça, em decisão elucidativa sobre o tema, assim dispôs:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. CONTRATO DE ADESÃO. CONVENÇÃODE ARBITRAGEM. LIMITES E EXCEÇÕES. ARBITRAGEM EM CONTRATOS DEFINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. CABIMENTO. LIMITES.
1. Com a promulgação da Lei de Arbitragem, passaram a conviver, em harmonia, três regramentos de diferentes graus de especificidade:(i) a regra geral, que obriga a observância da arbitragem quando pactuada pelas partes, com derrogação da jurisdição estatal; (ii) a regra específica, contida no art. 4º, § 2º, da Lei nº 9.307/96 e aplicável a contratos de adesão genéricos, que restringe a eficácia da cláusula compromissória; e (iii) a regra ainda mais específica, contida no art. 51, VII, do CDC, incidente sobre contratos derivados de relação de consumo, sejam eles de adesão ou não, impondo a nulidade de cláusula que determine a utilização compulsória da arbitragem, ainda que satisfeitos os requisitos do art. 4º, § 2º, da Lei nº 9.307/96.
2. O art. 51, VII, do CDC se limita a vedar a adoção prévia e compulsória da arbitragem, no momento da celebração do contrato, mas não impede que, posteriormente, diante de eventual litígio, havendo consenso entre as partes (em especial a aquiescência do consumidor),seja instaurado o procedimento arbitral.
3. As regras dos arts. 51, VIII, do CDC e 34 da Lei nº 9.514/97 não são incompatíveis. Primeiro porque o art. 34 não se refere exclusivamente a financiamentos imobiliários sujeitos ao CDC e segundo porque, havendo relação de consumo, o dispositivo legal não fixa o momento em que deverá ser definida a efetiva utilização da arbitragem.
4. Recurso especial a que se nega provimento.
(STJ – REsp: 1169841 RJ 2009/0239399-0, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 06/11/2012, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/11/2012)
O art. 51, inciso VII, do Código de Defesa do Consumidor, determina que é nula de pleno direito as cláusulas contratuais que imponham a utilização compulsória da arbitragem.
Mas para que seja possível aplicar esse artigo e invalidar a utilização obrigatória da arbitragem, é necessário que a relação jurídica seja de consumo.
E, via de regra, um contrato de locação não é uma relação de consumo, trata-se de uma relação civil, portanto, a utilização da arbitragem, prevista na cláusula compromissória, não poderia ser relegada utilizando-se desse argumento.
A situação muda de contorno quando estamos diante de um contrato de locação residencial intermediado por uma imobiliária, situação na qual já foi decidido sobre a existência da relação de consumo e invalidada a cláusula compromissória, veja:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE INSTRUMENTO PARTICULAR. COMPROMISSO ARBITRAL. TUTELA DE URGÊNCIA. REQUISITOS DO ART. 300 DO CPC/2015. PROBABILIDADE DO DIREITO. QUESTÃO CONSUMERISTA. INTERMEDIAÇÃO DE PESSOA JURÍDICA NA RELAÇÃO LOCATÍCIA. INVOCAÇÃO DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. INTERESSE DO CONSUMIDOR. FUNDADO RECEIO DE DANO. POSSIBILIDADE DE PREJUÍZO DECORRENTE DA PROSSECUÇÃO DA RECLAMAÇÃO N. 134/2020. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PROVIDO.
1. O agravo de instrumento destina-se a verificar o acerto ou desacerto da decisão agravada, de modo que, em se tratando de decisão proferida em sede de antecipação de tutela, indispensável averiguar a presença dos requisitos do art. 300 do CPC/2015, quais sejam, a probabilidade do direito e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.
2. Em se tratando de contrato de locação com intervenção de pessoa jurídica, a partir de quem o contrato foi assinado, deve-se reconhecer a incidência do CDC, haja vista a existência da relação de consumo reconhecida em negócios com esta configuração, motivo pelo qual, passando, a cláusula compromissória a se condicionar ao interesse consumerista, não pode ser invocada em favor do fornecedor do produto ou serviço.
3. No tocante ao segundo requisito, o mesmo ressai da possibilidade de prejuízo decorrente da prossecução do procedimento arbitral com a prolação da sentença arbitral e conseguinte cumprimento de sentença na pendência do feito em trâmite em primeiro grau, o que poderia lhe acarretar dano irreparável à míngua da possibilidade de um desate diverso do apontado no âmbito da decisão recorrida. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PROVIDO.
Nesse caso, a Justiça reconheceu pela impossibilidade de se utilizar da via arbitral, de forma compulsória, justamente por ter sido reconhecida a relação de consumo, na locação residencial intermediada por uma administradora, pessoa jurídica.
Quando houve a análise de um caso semelhante, contudo, se tratando de um contrato de locação comercial, a justiça decidiu que não haveria a aplicação das normas do CDC, por não haver uma relação de consumo, possibilitando a aplicação da arbitragem de maneira obrigatória, a saber:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL COM REVISÃO DE CLÁUSULA E REPARAÇÃO POR DANOS IMATERIAIS. CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM. CONTRATO LOCAÇÃO DE IMÓVEL COMERCIAL. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AFASTADA. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. PREENCHIMENTOS DOS REQUISITOS DO ARTIGO 4º, §2º, DA LEI 9.307/96. PROCESSO EXTINTO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO.
1. Nos contratos de locação que versem sobre locação de imóvel comercial, ainda que firmados por intermédio da imobiliária, na qualidade de mandatária e administradora do bem, devem ser regulamentados pela legislação própria que rege a matéria, isto é, a Lei nº 8.245/91, não se aplicando, portanto, as normas do Código de Defesa do Consumidor. Precedentes do STJ.
2. A arbitragem é um meio extrajudicial de resolução de conflitos referentes a direitos patrimoniais disponíveis, entre particulares com capacidade para contratar, podendo ser determinada na elaboração do contrato, por meio da cláusula compromissória, ou depois de surgimento da questão controvertida, pelo compromisso arbitral, ambos dando início ao denominado juízo arbitral.
3. Na atual sistemática encontram-se vigentes três regramentos em diferentes graus de especificidades, a saber: a) regra geral, que é a observância da arbitragem quando pactuada pelas partes; b) regra específica relativa ao contrato de adesão genérico, contida no artigo 4º, parágrafo 2º, da Lei nº 9.307/96; e c) a regra mais específica, incidentes nos contratos derivados de relação de consumo, sejam eles de adesão ou não, conforme o artigo 51, VII, do Código de Defesa do Consumidor.
4. No caso sub examine aplica-se as regras específicas, contidas no artigo 4º, §2º, da Lei nº 9.307/96, as quais foram preenchidas, tendo a agravante apresentado termo declaratório assinado pelas partes com firma reconhecida especialmente para a cláusula compromissória, impondo-se o reconhecimento de sua validade com a consequente extinção do processo sem resolução de mérito. RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PROVIDO. DECISÃO CASSADA.
(TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Agravos -> Agravo de Instrumento 5035957-19.2021.8.09.0000, Rel. Des(a). ANDERSON MÁXIMO DE HOLANDA, 3ª Câmara Cível, julgado em 19/04/2021, DJe de 19/04/2021)
Dessa forma, podemos concluir que: i) se tratando de contrato de locação comum, a instituição da arbitragem, via cláusula compromissória, obrigará as partes à utilização desta via; ii) sendo o contrato de locação residencial, com a intermediação de imobiliária ou outra administradora pessoa jurídica, haverá o reconhecimento da relação de consumo, sendo, portanto, faculdade do consumidor utilizar a arbitragem ou o Poder Judiciário; e iii) havendo um contrato de locação comercial, mesmo que haja intermediação por imobiliária, a arbitragem prevista será obrigatória.
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Dr. Rafael Rocha Filho