2 tipos de financiamentos imobiliários feitos com bancos que costumam ter juros abusivos
Não é sempre que alguém tem todo o dinheiro para adquirir um imóvel pagando-o à vista.
A forma mais comum de se comprar um bem desse valor é através de algum tipo de financiamento.
E no Brasil temos, basicamente, três linhas de crédito imobiliário que os bancos utilizam para realizar a aquisição de um imóvel, a saber: Sistema Financeiro da Habitação (SFH), Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI) e Carteira Hipotecária (CH) conhecida também como Faixa Livre.
Sistema Financeiro da Habitação (SFH)
O SFH é um sistema de financiamento criado pela Lei de nº 4.380/1964, que visa possibilitar que pessoas com condições financeiras mais baixas consigam realizar empréstimos para aquisição de imóveis.
As taxas de juros têm um teto de 12% ao ano com o acréscimo da correção monetária pela TR (taxa referencial de juros).
Atualmente, o valor máximo para financiamento de acordo com essa modalidade é de R$ 1,5 milhão de reais. O prazo máximo para pagamento é de até 35 anos, ou seja, 420 meses.
A amortização dos juros pode ocorrer pelo Sistema de Amortização Constante (SAC), onde o valor das parcelas a serem pagas é decrescente, sendo automaticamente descontado do valor inicial da dívida.
Também é permitido o uso da Tabela Price (art. 75, da Lei de nº 11.977/2009), que é chamada de Sistema Francês de Amortização, onde a primeira prestação é a mais barata, sendo que o saldo devedor é reduzido de forma mais lenta.
Esse último sistema faz com que o montante de juros pagos, ao final do contrato, seja até 40% mais caro que se fosse utilizada a modalidade SAC, visto que ocorre a capitalização mensal de juros.
É preciso ressaltar que há ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF) (ADI 2.316/DF), com julgamento suspenso e dois votos favoráveis à proibição da prática de anatocismo pelas Instituições Financeiras.
Caso o financiamento tenha sido feito antes de 07/07/2009, através desse sistema, é ilegal o uso da Tabela Price, conforme explicado nesse outro texto: Quem financiou imóvel com banco, antes de 2009, pode ter direito a diminuição das parcelas ou restituição de valores
O Sistema Financeiro da Habitação só pode ser utilizado por pessoas físicas e para a aquisição de imóvel com destinação exclusiva para fins residenciais.
Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI)
No SFI, que foi criado pela Lei de nº 9.514/97 e busca atender as pessoas que não se enquadram nas exigências do SFH. Não há limite de valor a ser emprestado.
Os juros também não possuem limite e costumam alcançar entre 12% a 16% ao ano. E o prazo para pagamento da dívida é de até 35 anos (420 meses).
Pode ser concedido a pessoas físicas ou jurídicas para a aquisição de imóveis com qualquer finalidade.
A forma de amortização dos juros, entretanto, não pode ocorrer pela Tabela Price, mesmo se tratando de instituição financeira, visto que essa modalidade faz com que haja a capitalização mensal de juros.
É que o contrato de financiamento imobiliário, regido pelas regras do Sistema Financeiro Imobiliário, não admite a capitalização mensal de juros, mas admite-se a anual, conforme o artigo 5º, inciso III c/c § 2º:
Art. 5º As operações de financiamento imobiliário em geral, no âmbito do SFI, serão livremente pactuadas pelas partes, observadas as seguintes condições essenciais:
(…)
III – capitalização dos juros;
(…)
§ 2º As operações de comercialização de imóveis, com pagamento parcelado, de arrendamento mercantil de imóveis e de financiamento imobiliário em geral poderão ser pactuadas nas mesmas condições permitidas para as entidades autorizadas a operar no SFI.
Nota-se que o artigo 5º, inciso III, da Lei nº 9.514/97, prevê a incidência da capitalização de juros nas operações de financiamento imobiliário, regidos pelo Sistema Financeiro Imobiliário, sendo omisso quanto a sua periodicidade.
O grande professor Luiz Antonio Scavone Junior, diz o seguinte sobre esse tema:
No que tange à capitalização, a Lei da Alienação Fiduciária em tela é omissa quanto à periodicidade, sendo vedada, portanto, a capitalização mensal.
Em outras palavras, se admite a capitalização, mas não a periodicidade que, em razão disso, se submete à lei geral, ou seja, ao Decreto 22.626/1933, art. 4º e ao Código Civil, art. 591, que admitem apenas a capitalização anual, desde que convencionada.
Portanto, não consideramos a possibilidade de aplicação dos juros sobre juros, mesmo nos contratos de alienação fiduciária de bem imóvel, acorde com a norma insculpida no art. 4º do Decreto 22.626/1933, art. 591, do Código Civil, além do verbete 121, da Súmula STF.
Convém salientar que a capitalização mensal de juros continua vedada, em regra, a todas as pessoas físicas e jurídicas nos termos dos mencionados dispositivos.
Outrossim, é evidente que a livre pactuação a que alude o art. 5º da Lei 9.514/ 1997 é a livre pactuação com respeito à lei.
Em suma, não se admitirá, por óbvio, mesmo que forem pactuadas, cláusulas nulas ou ilegais, como, por exemplo, aquelas que tencionem liberar os juros às pessoas jurídicas não financeiras, bem como os pactos de capitalização mensal de juros.
(Scavone Junior, Luiz Antonio, 1966–Direito imobiliário – Teoria e prática/Luiz Antonio Scavone Junior. – 9.ª ed. – rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro : Forense, 2015, pag. 903.
Há precedente do c. Superior Tribunal de Justiça (STJ), que reconhece a legitimidade da capitalização anual de juros, nesse tipo de contrato, conforme o trecho a seguir transcrito, do voto condutor do acórdão prolatado no REsp. nº 936.795/SC, a saber:
“(…) Ocorre que o art. 5º, III, da Lei n. 9.514⁄1997 prevê a incidência da capitalização dos juros nas operações de financiamento imobiliário, mas é omissa quanto a sua periodicidade, verbis:
Art. 5º As operações de financiamento imobiliário em geral, no âmbito do SFI, serão livremente pactuadas pelas partes, observadas as seguintes condições essenciais:
(…)
III – capitalização dos juros;
(…)
Ante a lacuna quanto a periodicidade da capitalização, o acórdão recorrido a permitiu sob a forma anual em virtude de ausência de previsão legal, pois a Medida Provisoria nº 2.170- 6⁄2001, que já vigorava a época da contratação e permite as instituições financeiras capitalizar juros em períodos inferiores a um ano, ‘e aplicada apenas no âmbito do Sistema Financeiro Nacional’ (153).
(…)
Ocorre que, como visto anteriormente, o acórdão recorrido não negou a construtora a igualdade de condições na contratação com os demais agentes do SFI, e permitiu a capitalização dos juros. Todavia, só a permitiu sob a forma anual, em razão de que a norma que prevê capitalização mensal, a Medida Provisoria nº 2.170-36⁄2001, e restrita as instituições que atuam no âmbito do Sistema Financeiro Nacional.
(…)
É o que ocorre no presente caso e, dessa forma, deve ser mantida, também quanto a capitalização, a conclusão do aresto recorrido. Ante o exposto, não se conhece do recurso especial. E o voto.” (STJ, 3ª Turma, REsp. nº 936795/SC, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 08.04.2008, DJe de 25.04.2008).
Em relação à Tabela Price, na forma que preveem os artigos 6º, inciso III, 31 e 46, todos do CDC, além de sua pactuação, é imprescindível a expressa informação ao consumidor, acerca de suas consequências relativas à majoração substancial dos juros remuneratórios cobrados pela instituição financeira.
Trata-se do dever anexo de informação, acessório da cláusula geral de boa-fé objetiva, que determina ao fornecedor informar, de modo claro e suficiente, ao consumidor, as características do produto/serviço (financiamento) e, por conseguinte, as consequências de cada cláusula do contrato, sobretudo às que lhe imponham ônus e restrições aos seus direitos.
O Sistema Price de Amortização traz o inaceitável “fator de acumulação de capital”, segundo o qual, os juros são cobrados em progressão geométrica, dificultando a amortização do saldo devedor, resultando daí, a sua abusividade.
Você pode entender um pouco mais sobre o que é a Tabela Price nesse texto: A Tabela Price vai destruir o seu sonho da casa própria.
O entendimento da Justiça, quanto a impossibilidade de uso da Tabela Price e sua consequente capitalização mensal de juros, neste tipo de contrato, é pacífica, veja:
AGRAVO REGIMENTAL NA APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. TABELA PRICE. FATO NOVO. INEXISTÊNCIA.
1. A Lei 9514/97 não prevê a periodicidade da capitalização do juros nas operações de financiamento imobiliário, revelando-se omissa. Com efeito, de acordo com precedentes do STJ, para tais contratos, não é válida a capitalização mensal, sendo admitida apenas a anual.
2. Substituição da tabela price pelo método linear, por gerar anatocismo.
3. Quando a parte agravante não traz nenhum argumento suficiente para acarretar a modificação na fundamentação da decisão monocrática, impõe-se o desprovimento do agravo regimental.
4. Agravo regimental conhecido e desprovido.
(TJGO, APELACAO CIVEL 96188-56.2012.8.09.0051, Rel. DR(A). DELINTRO BELO DE ALMEIDA FILHO, 5A CAMARA CIVEL, julgado em 12/11/2015, DJe 1914 de 20/11/2015)
AGRAVO REGIMENTAL EM APELAÇÃO CÍVEL. DECISÃO MONOCRÁTICA. AÇÃO CONSIGNATÓRIA EM PAGAMENTO C/C MODIFICAÇÃO DE CLAÚSULA CONTRATUAL. BEM IMÓVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CAPITALIZAÇÃO MENSAL. INADIMISSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE FATOS NOVOS A JUSTIFICAR O PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO.
I – A Lei 9514/97 não prevê a periodicidade da capitalização do juros. Segundo precedentes do STJ, para tais contratos, não é válida a capitalização mensal, sendo admitida a anual.
II – Inexistindo fundamento ou fato novo capaz de conduzir o julgador a nova convicção, nega-se provimento ao Agravo Regimental. AGRAVO REGIMENTAL CONHECIDO, MAS DESPROVIDO.
(TJGO, APELACAO CIVEL 166013-58.2010.8.09.0051, Rel. DES. AMELIA MARTINS DE ARAUJO, 1A CAMARA CIVEL, julgado em 24/06/2014, DJe 1576 de 03/07/2014)
Dessa maneira, a Justiça não tem admitido a capitalização mensal de juros em contratos firmados no âmbito do SFI.
Carteira Hipotecária (CH) ou Faixa Livre
Não existe uma lei específica que rege a Carteira Hipotecária que é denominada, também, de Faixa Livre.
As condições são estabelecidas livremente entre o mutuário (quem recebe o dinheiro) e a instituição financeira. Não há um valor máximo ou mínimo a ser financiado.
Dessa maneira, tanto o percentual de juros (giram entre 14% a 18% ao ano), prazo de pagamento e forma de amortização dos juros pode ser livremente pactuados.
Nessa modalidade específica de financiamento imobiliário, também não é permitida que haja o uso da Tabela Price, que faz a capitalização mensal de juros, porque como não existe uma legislação autorizando o seu uso, ela se torna ilegal pela aplicação do art. 4° do Decreto 22.626/1933 e Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal (STF).
A Justiça, ao analisar essa prática abusiva, determina que haja a sua retirada e o cálculo do sistema de juros pela forma linear ou capitalização anual de juros, veja:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL C/C CONSIGNATÓRIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. PACTA SUNT SERVANDA. RELATIVIZAÇÃO. FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO (C.H.H). CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. VEDAÇÃO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. AUSÊNCIA. HONORÁRIOS EM 2º GRAU. FIXAÇÃO.
1. Nas relações de consumo (Súmula 297/STJ), admite-se o ajuste da autonomia da vontade e a flexibilização de sua força obrigatória (pacta sunt servanda) visando a observância das normas públicas protetivas do CDC.
2. Demonstrado, por laudo de expert, a dupla cobrança de juros em regime de capitalização mensal composta (Tabela Price e amortizações negativas), no âmbito do contrato de financiamento imobiliário (carteira hipotecária), necessário se mostra a exclusão do encargo, por se mostrar abusivo, substituindo-o pelo sistema de amortização linear.
3. O exercício regular do direito de recurso, qualificado pela inocorrência de quaisquer das hipóteses do art. 80 do CPC, não caracteriza litigância de má-fé.
4. Devida a fixação, de ofício, de honorários em 2º Grau (CPC, art. 85, § 11, in fine), em somatório aos já fixados no 1º Grau. 5. Recurso conhecido e desprovido.
(TJGO, Apelação (CPC) 0169321-25.1998.8.09.0051, Rel. ROBERTO HORÁCIO DE REZENDE, 5ª Câmara Cível, julgado em 05/02/2018, DJe de 05/02/2018).
AGRAVO REGIMENTAL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA. CARTEIRA HIPOTECÁRIA. CAPITALIZAÇÃO MENSAL. TABELA PRICE.
1 – Compete ao relator negar seguimento a recurso manifestamente improcedente, ou em confronto com jurisprudência dominante do respectivo Tribunal ou dos Tribunais Superiores, conforme preconiza o artigo 557, caput, do Código de Processo Civil.
2 – As normas relativas ao Sistema Financeiro da Habitação são inaplicáveis ao financiamento no âmbito da carteira hipotecária.
3- Não merece censura o ato judicial que afasta a capitalização mensal de juros no contrato de financiamento imobiliário – carteira hipotecária habitacional – vedando a utilização da Tabela Price. AGRAVO REGIMENTAL CONHECIDO E DESPROVIDO.
(TJGO, APELACAO CIVEL 61321-23.2001.8.09.0051, Rel. DES. ALAN S. DE SENA CONCEICAO, 5A CAMARA CIVEL, julgado em 11/11/2010, DJe 709 de 01/12/2010)
Quem financiou, portanto, um imóvel pelo Sistema de Financiamento Imobiliário ou pela Carteira Hipotecária, pode estar pagando um valor além do que o devido, em razão da capitalização mensal de juros através da Tabela Price, tendo direito a diminuição de valores ou restituição do que foi pago a maior.
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Dr. Rafael Rocha Filho