Decisão do STJ sobre devolução em dobro por cobrança indevida e o impacto no Direito Imobiliário
Depois de muitos anos o Superior Tribunal de Justiça (STJ) finalmente decidiu sobre um tema que se criou uma polêmica desnecessária: a devolução em dobro por cobrança indevida, prevista no Código de Defesa do Consumidor CDC.
A celeuma desnecessária
Digo que essa polêmica era desnecessária porque a Lei de nº 8.078/90, conhecida como Código de Defesa do Consumidor, era muito clara em relação a quando seria aplicada a devolução em dobro de valores cobrados indevidamente. Veja o que diz o art. 42, caput e parágrafo único, da lei citada:
Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.
Bastava que o consumidor fosse cobrado em quantia indevida que teria direito à devolução em dobro, com a exceção de quando isso ocorresse por engano justificável.
Muito simples, não é?
Ocorre, porém, que a Corte Cidadã passou a enxergar, nesse trecho da lei, que seria necessário haver a comprovação, por parte do consumidor, de que o fornecedor agiu de má-fé na cobrança indevida para que houvesse a devolução em dobro.
Eu nunca entendi isso. Em nenhuma parte da lei há essa exigência de comprovação de má-fé do fornecedor. O STJ, em sua interpretação, acabou por reescrever o texto da lei, algo que é totalmente inaceitável em uma democracia com papeis claros para cada instituição.
Inverteu-se o dever de quem deveria provar que a cobrança ocorreu de modo indevido. Pela lei, caberia ao fornecedor dizer e comprovar que esta foi efetivada por engano justificável.
Caberia, agora, ao consumidor, a parte mais frágil na relação de consumo, comprovar a existência de má-fé – algo quase impossível – na cobrança para justificar a devolução em dobro.
E não bastava dizer que a cobrança indevida ocorreu por má-fé provando que houve tentativa de se resolver tudo extrajudicialmente, que foram enviados os comprovantes de pagamento para as empresas, que os juros são claramente abusivos, que as cobranças não estavam previstas em contrato, etc…
Nada disso basta para comprovar a má-fé. Era necessário quase que uma escritura pública do fornecedor confessando que assim agiu para que houvesse a aplicação da devolução em dobro.
Na minha vivência na advocacia, poucas foram as vezes que eu vi um juiz ou tribunal reconhecer esse direito. A praxe é negar o pedido por ausência da comprovação da má-fé.
É até comum, apesar de indevido, as cortes superiores “interpretarem” algo concedendo um sentido completamente contrário ao texto legal. O ponto mais nefasto foi utilizarem de uma lei que visa proteger o consumidor para prejudicá-lo e criar um benefício indevido para o fornecedor.
Muitos podem achar que a aplicação do art. 42, parágrafo único, do CDC, poderia causar severos danos os pequenos e médios empresários, mas não se engane. Não é Micro Empresa (ME) e Micro Empreendedor Individual (MEI) que são os verdadeiros beneficiários dessa antiga interpretação da lei.
Esse lobby foi feito pelas grandes instituições financeiras (bancos), gigantes da telefonia, telecomunicação, operadores de cartão de crédito e todas demais empresas de grande lastro financeiro que detém capacidade para mudar os rumos da política e do Judiciário brasileiro, não os pequenos.
Com esse “entendimento” do STJ, os que saíram ilesos foram essas empresas.
Decisão do STJ passa a não exigir a comprovação de má-fé
Agora, após vários questionamentos (recursos) o Superior Tribunal de Justiça chegou a uma decisão final, depois de um longo período de espera.
E, para surpresa de muitos, incluindo a minha, a Corte concedeu uma decisão mais favorável aos consumidores do que aos fornecedores. Houve uma ligeira vitória para nós.
Uma das teses aprovadas no julgamento dos recursos: EAREsp 676.608 (paradigma), EAREsp 664.888, EAREsp 600.663, EREsp 1.413.542, EAREsp 676.608, EAREsp 622.697, foi de que:
Isso significa que não há necessidade de provar a má-fé, basta que a conduta do fornecedor seja contrária a boa-fé objetiva.
Disse, anteriormente, que houve uma ligeira vitória para os consumidores porque a decisão judicial não seguiu a literalidade da lei, apenas suavizou o ônus da prova.
Em vez de provar a má-fé (algo extremamente difícil), basta que a conduta praticada pelo fornecedor seja contrária a boa-fé objetiva (bem mais simples que provar a má-fé), para que a devolução em dobro dos valores cobrados ocorra.
A boa-fé objetiva
A boa-fé objetiva é um princípio e é conceituada como:
“…sendo exigência de conduta leal dos contratantes, está relacionada com os deveres anexos ou laterais da conduta, que são ínsitos a qualquer negócio jurídico, não havendo sequer a necessidade de previsão no instrumento negocial. São considerados deveres anexos, entre outros: dever de cuidado em relação à outra parte negocial; dever de respeito; dever de informar a outra parte sobre o conteúdo do negócio; dever de agir conforme a confiança depositada; dever de lealdade e probidade; dever de agir com honestidade…”
Tartuce, Flávio. Manual de direito civil: volume único I. Flàvio Tartuce. 6. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016, pag. 625.
Havendo uma cobrança indevida, em relação de consumo, contrariando a boa-fé objetiva, caberá a devolução dos valores em dobro.
Aplicação no Direito Imobiliário
E isso, no Direito Imobiliário, terá consequências muito positivas para os consumidores.
Vejo, com frequência, a cobrança de valores não permitidos através de venda casada de seguro, em contratos de financiamento imobiliário; utilização de forma de amortização de juros ilegal ou sequer especificada em contrato; uso de Tabela Price, Gradiente ou outra que gere capitalização mensal de juros; inclusão de taxas sem justificativas; cobrança de multas sem sentido; entre outros cobranças indevidas.
Agora, com esse entendimento do STJ, havendo alguma cobrança assim, a devolução será em dobro, algo que fará as empresas do ramo imobiliário pensarem melhor como se comportarão.
A devolução em dobro vai doer no bolso de imobiliária, incorporadora e construtora!
Os adquirentes de imóveis que foram e são prejudicados constantemente com esse tipo de conduta maléfica dessas empresas, agora, receberam a devida compensação financeira.
Quando essa decisão começa a valer?
Para os processos que forem julgados pela 1ª Seção do STJ, esse entendimento será aplicado normalmente; mas para os processos da 2ª Seção, onde não havia consenso, isso valerá apenas para as novas ações que ingressarem no tribunal, a partir da data da publicação do acórdão.
Em que pese o julgamento tenha ocorrido no dia 21.10.2020, o acórdão ainda não foi publicado, algo que deve ocorrer em breve.
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Dr. Rafael Rocha Filho