Milhares de presos ilegais no Brasil devem ser soltos imediatamente por causa dessa decisão
Quer saber qual decisão pode conceder liberdade a milhares de presos ilegais no Brasil? Leia esse texto que vou explicar tudo para você.
É impossível converter prisão em flagrante em preventiva sem requerimento do Ministério Público ou da Polícia Judiciária, e é obrigatória a realização de audiência de custódia ainda que por vídeo conferência.
Em sua despedida da Suprema Corte o Ministro Celso de Mello brinda o Estado democrático de Direito, com a afirmação constitucional e fundamentada nos Direitos Humanos que é imprescindível a realização de audiência de custódia para quem foi preso em flagrante.
Concedendo de ofício HC (HC 18.888/ MG), o saudoso Ministro afirmou ainda que não se pode decretar prisão preventiva sem o requerimento de membro do Ministério Público ou da polícia judiciária.
Dessa forma não pode o magistrado converter a prisão em flagrante em preventiva ex-officio, pois se não houver representação do Membro do MP ou da polícia judiciária, restará conceder a liberdade ao preso em flagrante.
Imagine quantas pessoas estão nessa situação hoje!
Esse entendimento foi firmado na segunda turma do Supremo Tribunal Federal, devendo esse entendimento ser seguido pelas varas criminais bem como Tribunais Estaduais, e Tribunais Regionais Federais, vamos ver.
Essa decisão vem contemplar o que estudamos na faculdade, a beleza da letra da Lei, dos Tratados, é fazer bonitinho a justiça como se espera, o que nos enche de esperança nesse Brasil de abuso de autoridades e diversidade de CPPV (CÓDIGO DE PROCESSO PENAL DA VARA), ou CPPT (CÓDIGO DE PROCESSO PENAL DO TRIBUNAL).
Nesse artigo então vamos delimitar os fundamentos do voto do ministro para fundar essa tese extremamente importante e que deve ser seguida pelos demais rincões judicantes, principalmente nessa época de pandemia que não se realiza audiência de custódia e de cara converte o flagrante em prisão preventiva.
O fato desse HC, foi que o magistrado de primeira instância além de converter prisão em flagrante em preventiva de officio, negou audiência de custódia, ainda que observada a situação de flagrância do preso.
Vou sintetizar em alguns pontos os fundamentos desse entendimento, e que devem ser aplicados pelo judiciário, haja vista seu efeito vinculante.
I- DA NECESSIDADE DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA.
O STF em diversos julgados tem reconhecido flagrante desrespeito à decisão proferida na ADPF 347-MC/DF, como sendo obrigação da autoridade judiciária a realização de audiência de custódia.
Esse é um direito primordial da pessoa que sofre a imposição da prisão em flagrante, o de ser apresentada a autoridade judiciária em 24hs a contar do momento em que foi detida.
Veja os precedentes que a Suprema Corte possui:
Cumpre ter presente, por necessário, que Ministros de ambas as Turmas desta Corte Suprema têm determinado, por isso mesmo, em sede reclamatória, exceto se configurada hipótese de justa causa, a realização, no prazo de 24 horas, de audiência de custódia, cuja efetivação não se submete à avaliação discricionária do magistrado competente (Rcl 26.604-MC/GO, Rel. Min. ROBERTO BARROSO – Rcl 27.074/RJ, Rel. Min. GILMAR MENDES – Rcl 27.206-MC/RJ, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – Rcl 27.294/RJ, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – Rcl 27.730/RJ, Rel. Min. GILMAR MENDES – Rcl 27.748/SC, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES – Rcl 27.750-MC/SC, Rel. Min. LUIZ FUX, decisão proferida pela Ministra CÁRMEN LÚCIA no exercício da Presidência – Rcl 27.751-MC/SC, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, decisão proferida pela Ministra CÁRMEN LÚCIA no exercício da Presidência – Rcl 28.079-MC/MT, Rel. Min. ROBERTO BARROSO – Rcl 28.554/SP, Rel. Min. EDSON FACHIN – Rcl 29.787/MG, Rel. Min. DIAS TOFFOLI – Rcl 31.637/MG, Rel. Min. EDSON FACHIN, v.g.).
Pois bem, a questão do momento é a Pandemia do COVID-19, onde não está se realizando a audiência de custódia, e que na opinião do Ministro, esse fato, não pode impedir que sejam realizadas, ainda que por meio remoto.
“Nem se diga que a situação extraordinária em que se encontra nosso País, atingido pela Pandemia da COVID-19, poderia constituir motivo justificador da denegação, em desfavor daquele que sofreu prisão em flagrante, do seu ineliminável direito público subjetivo à realização da audiência de custódia, pois o descumprimento, pelo Poder Público, da obrigação que assumiu, no plano internacional (e também doméstico), de promover esse ato de essencial relevo importaria em gravíssima ofensa à liberdade jurídica da pessoa sob custódia estatal.”
Sobre a vídeo conferência o Ministro ainda ressalta:
Vê-se, portanto, que inexiste, em nosso sistema jurídico, norma de caráter legal que proíba a utilização, nas audiências de custódia, do sistema de videoconferência, sendo importante considerar que resoluções de natureza meramente administrativa não podem invadir nem dispor sobre matéria sujeita ao domínio normativo da lei, especialmente quando tais atos de índole infralegal, ao estabelecerem cláusulas vedatórias que inibem o exercício de um direito fundamental, frustram, injustamente, a realização de procedimento – a audiência de custódia – destinado a proteger o estado de liberdade individual daquele que vem a sofrer prisão em flagrante.
Atenção advogados criminalistas e familiares de presos, imaginem quantas pessoas estão presas nessas condições, ou seja, sob essas ilegalidades e podem ser beneficiadas com essa decisão.
Fato novo em HC, é a tese, que se inundem dos Tribunais brasileiros de HC´s buscando restaurar a dignidade, e principalmente o Estado Democrático e de Direito que precisamos para existir como civilização.
II- DA IMPOSSIBILIDADE DE CONVERTER PRISÃO EM FLAGRANTE EM PREVENTIVA DE OFFICIO.
Nesse mesmo HC, o eminente Ministro ainda ataca outra ilegalidade/abusividade perpetrada diuturnamente no Brasil, que é a conversão da prisão em flagrante em preventiva de officio, ou seja, sem requerimento do Ministério Público ou Autoridade Policial.
O voto na verdade é uma aula de garantismo, de legalidade, de respeitos às normas insculpidas na Constituição e demais cadernos processuais.
“É certo que o juiz, ao receber o auto de prisão em flagrante, promoverá a audiência de custódia (art. 310, “caput”, do CPP, c/c o art. 4º da Resolução CNJ nº 213/2015), momento no qual deverá, fundamentadamente, como deixei assentado em passagem anterior desta decisão, (a) relaxar a prisão, se constatar a ilegalidade do flagrante (CPP, art. 310, I), (b) conceder liberdade provisória, se estiverem ausentes as situações referidas no art. 312 do Código de Processo Penal ou se incidirem, na espécie, quaisquer das excludentes de ilicitude previstas no art. 23 do Código Penal (CPP, art. 310, III), ou, ainda, (c) converter o flagrante em prisão preventiva, se presentes os requisitos dos arts. 312 e 313 do Código de Processo Penal (art. 310, II, do CPP).
De outro lado, a Lei nº 13.964/2019, ao suprimir a expressão “de ofício” que constava do art. 282, §§ 2º e 4º, e do art. 311, todos do Código de Processo Penal, vedou, de forma absoluta, a decretação da prisão preventiva sem o prévio “requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público”, não mais sendo lícito, portanto, com base no ordenamento jurídico vigente, a atuação “ex officio” do Juízo processante em tema de privação cautelar da liberdade.”
“… a interpretação do art. 310, II, do CPP deve ser realizada à luz dos arts. 282, §§ 2º e 4º, e 311, também do estatuto processual penal, a significar que se tornou inviável a conversão, de ofício, da prisão em flagrante de qualquer pessoa em prisão preventiva, sendo necessária, por isso mesmo, anterior e formal provocação do Ministério Público, da autoridade policial ou, quando for o caso, do querelante ou do assistente do MP.”
Com esse voto aula o Ministro Celso de Mello se despede da Suprema Corte, reafirmando a Supremacia da Constituição Federal e da beleza que é o respeito ao ordenamento, ainda que não agrade a opinião pública.
Mais acertada decisão que essa não haveria por parte desse nobre Julgador que deixa um Legado de amor à Carta Magna, e a esperança é que seus pares sigam seus passos nessa jornada de zelar pelo Estado Democrático de Direito.
Com essa decisão, milhares de brasileiros presos ilegalmente devem ser soltos imediatamente, sob pena de desrespeitar o entendimento da Suprema Corte Brasileira.
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Em todo caso, consultem sempre uma advogado.
Abaixo transcrevo a ementa do voto do Ministro Celso de Mello
E M E N T A: “HABEAS CORPUS” – AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA (OU DE APRESENTAÇÃO) NÃO REALIZADA – A AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA (OU DE APRESENTAÇÃO) COMO DIREITO SUBJETIVO DA PESSOA SUBMETIDA A PRISÃO CAUTELAR – DIREITO FUNDAMENTAL ASSEGURADO PELA CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (Artigo 7, n. 5) E PELO PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS (Artigo 9, n. 3) – RECONHECIMENTO JURISDICIONAL, PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (ADPF 347-MC/DF, REL. MIN. MARCO AURÉLIO), DA IMPRESCINDIBILIDADE DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA (OU DE APRESENTAÇÃO) COMO EXPRESSÃO DO DEVER DO ESTADO BRASILEIRO DE CUMPRIR, FIELMENTE, OS COMPROMISSOS ASSUMIDOS NA ORDEM INTERNACIONAL – “PACTA SUNT SERVANDA”: CLÁUSULA GERAL DE OBSERVÂNCIA E EXECUÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS (CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE O DIREITO DOS TRATADOS, Artigo 26) – PREVISÃO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA (OU DE APRESENTAÇÃO) NO ORDENAMENTO POSITIVO DOMÉSTICO (LEI Nº 13.964/2019 E RESOLUÇÃO CNJ Nº 213/2015) – INADMISSIBILIDADE DA NÃO REALIZAÇÃO DESSE ATO, RESSALVADA MOTIVAÇÃO IDÔNEA, SOB PENA DE TRÍPLICE RESPONSABILIDADE DO MAGISTRADOQUE DEIXAR DE PROMOVÊ-LO (CPP, art. 310, § 3º, NA REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 13.964/2019) – “HABEAS CORPUS” CONCEDIDO DE OFÍCIO. 6.10.2020
Dr. Rafael Rocha