Você financiou um imóvel diretamente com uma construtora/imobiliária/incorporadora e as parcelas aumentam todo mês? Temos uma má notícia para você: essas parcelas aumentarão durante todo o período do financiamento, gerando, no final, uma dívida impagável.
Quando isso acontecer e você não conseguir mais pagar o imóvel, a imobiliária irá tentar, de todas as formas, retomar o bem, te oferecendo uma ninharia para entregá-lo.
Quando você se interessa por um imóvel, o início da negociação é encantador. O comprador passa em frente a um stand de vendas de uma empresa que lhe oferece a aquisição de um lote, casa, apartamento, sala comercial, galpão ou outro imóvel. Os vendedores são simpáticos, te oferecem uma cadeira para sentar, em uma sala com ar-condicionado e logo perguntam:
– Quer um cafezinho? Pergunta o vendedor.
Parece um sonho! Há uma bela recepção e você se sente importante e prestigiado. É apresentada uma linda maquete do imóvel desejado. Quando é um loteamento, todas as ruas estão asfaltadas, limpas e iluminadas, existe a infraestrutura completa e a possibilidade de valorização é imensa.
No caso dos apartamentos, você é convidado a ir até um “decorado”, que teve mais investimento em mobília e decoração do que o próprio valor do imóvel, gerando aquela sensação de desejo desenfreada.
Os valores das parcelas, a princípio, cabem no seu bolso. São vários os anúncios com prestação de lote, por exemplo, com prestações a partir de R$ 299,00, apartamentos por R$ 600,00.
Na hora de assinar o contrato, os vendedores dizem que os juros são baixos, que os valores das parcelas não subirão tanto assim, que é corrigido pelo mesmo índice do reajuste de aluguel, que os juros são de 1% ou menos.
Parece algo inofensivo, mas não é. E é justamente aí onde está a armadilha que te trouxe tanto sofrimento, prejuízo financeiro, noites sem dormir, estresse, dificuldade em comer, somente pensando no que fazer para não perder a sua casa.
Existe, entretanto, uma saída.
As parcelas do seu imóvel financiado têm aumentando sucessivamente, todos os meses, por causa da capitalização mensal de juros que a empresa faz.
Essa capitalização nada mais é que a cobrança de juros sobre juros, de forma cumulada, o que é proibido para quem não é uma instituição financeira (banco). Os juros só poderão incidir, para efeitos de valor de parcela, uma única vez a cada ano.
Em 1964, o Supremo Tribunal Federal editou Súmula reafirmando o teor daquele decreto e, portanto, proibindo a prática da capitalização de juros:
Súmula 121. É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada.
Porém, em 1977, a Suprema Corte publicou nova súmula, fazendo ressalvas àquela proibição, assim:
Súmula 596. As disposições do Decreto 22.626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional.
A Medida Provisória nº 2.170-36/2001, no mesmo sentido da mencionada Súmula, em seu artigo 5°, previu a possibilidade de capitalização de juros nos contratos de que faz parte instituição que integra o Sistema Financeiro Nacional, verbis:
Art. 5º Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano.
O Código Civil, por sua vez, tratou do assunto em seu artigo 591:
Art. 591 Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual.
O histórico acima apenas esclarece que a capitalização de juros somente é admitida em contratos de mútuo, nos quais é parte instituição financeira ou equiparada.
Os tribunais têm aplicado esse entendimento, determinando a revisão dos juros cobrados pelas empresas, veja:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO C/C REVISÃO CONTRATUAL C/C DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE CLÁUSULA ABUSIVA. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. CAPITALIZAÇÃO MENSAL. INOCORRÊNCIA. DECISÃO REFORMADA. 1. (…). 2. Nos contratos de compra e venda de imóvel em que a promitente vendedora for pessoa jurídica não integrante do Sistema Financeiro Nacional (SFN) mostra-se ilegítima a cobrança de juros capitalizados mensalmente, ainda que expressamente previstos no contrato de compra e venda parcelada. 3. Todavia, no caso dos autos, como se vê do contrato, as parcelas são atualizadas pelo IGPM, com incidência de juros compensatórios de 5% (cinco por cento) anual e cumulativos, inexistindo previsão de capitalização de juros, qualquer que seja sua periodicidade, razão pela qual assiste razão ao Recorrente. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PROVIDO.” (TJGO, 1ª CC, AI nº 5232533-87, Rel. Des. Orloff Neves Rocha, DJe de 21/09/2018). Destaquei.
“(…) 3. O contrato em questão, apesar de instrumentalizar típico negócio de compra e venda de imóvel à prestação, prevê a incidência de juros compensatórios de 0,8%, ‘mensais e acumulativos’. A capitalização mensal de juros, no entanto, somente é admitida pelo nosso ordenamento jurídico em contratos de mútuo realizados por instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional. In casu, por tratar-se de um contrato de compra e venda no qual figura como vendedora uma empresa que atua no ramo imobiliário (ora apelante), esta não tem autorização para exigir juros compostos, devendo tal conduta ser reconhecida como prática ilícita. Apelo desprovido.” (TJGO, 2ª CC, AC nº 292955-54, Rel. Des. Zacarias Neves Coelho, DJe 2097 de 25/08/2016).
“(…) 2. É viável a cobrança de juros compensatórios e correção monetária sobre as parcelas intermediárias ajustadas (balões), visto que devidamente previstos no instrumento negocial. Ressalto, porém, que quanto aos sobreditos juros, estes não podem incidir de maneira capitalizada em periodicidade inferior ao ânuo. (…).” (6ª CC, AC n. 0457413-38, Relª. Desª. Sandra Regina Teodoro Reis, DJe de 02/08/2017).
Por esses motivos, você pode estar pagando um valor muito superior ao devido.
Pode haver, ainda, outro encargo no seu contrato: o uso da tabela Price. Existem dois principais sistemas para o cálculo da parcela de financiamentos, no Brasil: a tabela Price e a tabela SAC.
No cálculo com a tabela Price, a regra é a manutenção do valor da prestação durante o período do contrato. De modo diferente, utilizando a tabela SAC, as primeiras parcelas são mais caras no início e vão, ao longo do tempo, tendo os seus valores diminuídos.
Pelo sistema SAC há amortização mensal do valor financiado, de forma constante, reduzindo a parcela de juros sobre o saldo devedor. O que não ocorre com o uso da tabela Price, pois o nível de amortização aumenta apenas no final do contrato.
Em resumo, para financiamentos longos, como de imóveis, os juros pagos ao usar a tabela SAC são menores que os da tabela Price.
A Tabela Price implica na contagem de juros sobre juros, por se utilizar de juros compostos e, desta forma, a sua simples incidência configura a própria capitalização de juros ou anatocismo, que são práticas vedadas pela Justiça, conforme a Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal:
É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada.
Não é possível dizer, de imediato, qual o valor você receberá ou terá reduzido no seu contrato, porque cada caso deve ser analisado de forma individualizada e é necessário fazer os cálculos com os seus dados para chegar ao valor exato.
Mesmo assim, as retiradas dessas cobranças abusivas geram, em média, uma economia de 30% do valor total do seu contrato. Em contratos de R$ 200 mil, houve, em determinada situação, mais de R$ 66 mil reais de economia.
Caso faltem muitas parcelas a serem pagas, pode-se pedir o recálculo da dívida, com a redução da quantidade de parcelas ou o seu valor.
Na hipótese de todo o contrato ter sido quitado ou se faltarem poucas parcelas para pagá-lo, é cabível pedir a quitação ou o reembolso, a depender do valor apurado.
O primeiro passo é analisar o seu contrato, de maneira pormenorizada, buscando encontrar as cláusulas que são abusivas.
Para isso, é importante contratar um advogado para realizar esse serviço, verificando a viabilidade de propor uma ação, posteriormente. É necessário que o cliente tenha em mãos o contrato completo e não apenas o quadro resumo.
Sendo possível questionar o contrato judicialmente, será necessário que o consumidor tenha uma planilha de todos os pagamentos realizados e o saldo devedor existente (esses documentos são fornecidos pela empresa na qual você comprou o imóvel).
Apenas com base nesses documentos será possível fazer um laudo contábil, através de um contador, perito ou economista, que irá apontar qual o valor exato que você poderá reduzir ou ser ressarcido.
Após a contratação dos advogados para proporem a ação judicial, é protocolizada a petição inicial com os documentos e o processo irá para o juiz analisar o pedido de liminar.
Esse pedido é para que o valor das parcelas seja reduzido para o valor que o perito encontrou, após retirar a capitalização mensal e a tabela Price.
O juiz irá decidir, podendo conceder ou não a liminar. No caso de que não seja concedida, é possível recorrer ao Tribunal de Justiça para que ele analise esse pedido novamente.
Após essa decisão sobre a liminar, o processo seguirá normalmente, com audiências, apresentação da defesa da empresa e, ao final, a decisão por meio de sentença. Após essa fase ainda será possível apresentar os recursos.